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Castigos, ratos, sujeira e dificuldade de acesso à água: a rotina de menores em unidades socioeducativas do Ceará

Fiscalização encontrou adolescente com bala alojada no corpo e jovem com marcas de automutilação. (Foto: Cedeca/Divulgação)

Menores adolescentes de unidades socioeducativas do Ceará convivem com uma rotina de privações que incluem a dificuldade de acesso a água potável, sujeira, ratos, insetos, castigos corporais e psicológicos, além de pouco ou nenhum contato com familiares e defensores públicos. Essa realidade foi constatada em uma inspeção feita em julho por um grupo de entidades encabeçadas pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), em seis unidades no Estado. A inspeção observou ainda denúncias de casos de automutilação, de ameaças e de agressões por parte de policiais e socioeducadores.

O trabalho de fiscalização envolveu a unidade feminina de Aldaci Barbosa, e as unidades masculinas Dom Bosco, Patativa do Assaré, Canindezinho, São Francisco e São Miguel, sediadas em Fortaleza, e que juntas abrigam cerca de 200 internos.

Além do CNDH, também participaram da inspeção o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP), Coalizão Pela Socioeducação, o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos Humanos do Ceará (CEDDH), o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará (Cedeca Ceará), a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará (Alece), o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e o Ministério Público Federal (MPF).

A coordenadora executiva do GAJOP, Deila Martins, conta que o acompanhamento dessa situação vem sendo feito pelas entidades há mais de uma década, e ganhou novo impulso quando em 2015, a Corte Interamericana de Direitos Humanos divulgou relatório apontando uma série de problemas no sistema socioeducativo do estado. Em fevereiro deste ano, a entidade divulgou novo levantamento, cobrando a falta de atenção do governo cearense em relação às medidas cautelares que deveriam terem sido tomadas desde então.

Ambientes insalubres

Sem banheiro, internos têm que usar “bacia turca”. (Foto: Cedeca/Divulgação)

De acordo com Deila, as violações de direitos humanos no sistema persistem e isso ficou evidente na inspeção da unidade Aldaci Barbosa, única do estado a atender meninas, e da qual ela participou pessoalmente.

A unidade possui alas usadas como espaços de castigo. A equipe de inspeção encontrou vestígios de sangue e identificou que adolescentes haviam sido retiradas dessas alas pouco antes da chegada. Esses espaços eram úmidos, sujos, sem vaso sanitário (apenas um buraco no chão), sem chuveiro e com grades enferrujadas. Algumas adolescentes relataram ficar nesses ambientes insalubres por até sete dias

conta.

Automutilação e hipermedicalização

Segundo ela, também são frequentes casos de automutilação devido ao sofrimento psíquico das adolescentes. Elas são colocadas nas celas disciplinares após terem crises ou “surtos”, e usam pedaços das grades para se automutilarem.

O sangue encontrado na cela de castigo era de automutilação. Muitas adolescentes estão ‘hipermedicalizadas’, tomando em média oito comprimidos psiquiátricos por dia

relata.

Revistas vexatórias

As adolescentes contaram também que são submetidas a “revistas vexatórias” várias vezes ao dia, onde precisam expor o corpo. Além disso, como a Aldaci Barbosa é a única unidade feminina do Ceará, ela concentra meninas de vários pontos do estado.

Muitas não têm contato frequente com suas famílias. A maioria também tem pouco ou nenhum contato com um defensor público

detalha Deila.

Outro flagrante da inspeção foi o encontro de uma adolescente grávida internada, o que é proibido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Lixo e escuridão

Inspeção constatou marcas de violência e más condições sanitárias nas unidades onde vivem internos. (Foto: Cedeca/Divulgação)

A situação não é diferente nas unidades socioeducativas masculinas. Na São Francisco, a inspeção verificou que o ambiente dos arredores da unidade já é marcado por lixo, odor forte e a presença de insetos e ratos. Na chegada, notou-se que a unidade havia sido lavada recentemente, sugerindo que a inspeção era esperada.

A estrutura interna é precária, com vazamentos, canos pingando e escuridão

relata a ativista.

A fiscalização atestou ainda que os colchões disponibilizados para uso pelos internos estão mofados, molhados, rasgados e em péssimas condições. A roupa de cama raramente é trocada. Os adolescentes são obrigados a fazer as refeições dentro de seus alojamentos insalubres, em vez de usar o refeitório.

Eles relataram que precisam se revezar para espantar os ratos que sobem neles durante a noite

explica Deila.

“Tranca” e bala no corpo

Durante a inspeção, adolescentes confirmaram a existência da cela de castigo, ou “tranca”. Um deles relatou ter sido agredido, colocado nesse espaço apenas de cueca e deixado lá por uma semana. O espaço é todo fechado e escuro, além de pequeno, e às vezes é ocupado por dois ou três adolescentes ao mesmo tempo.

Alguns internos apresentavam marcas de balas de sal disparadas pela polícia, que é chamada pela direção da unidade quando há agitação. Foi encontrado também um interno com uma bala alojada no corpo, ainda do momento da apreensão e que não havia sido retirada.

Conselheiro Nacional dos Direitos Humanos, Diego Alves, que também participou da inspeção, afirma que a fiscalização constatou a continuidade de violações graves dos direitos humanos.

As unidades socioeducativas do Ceará funcionam, na prática, como prisões, não como espaços de reeducação

afirma.

Esse ambiente de violação, segundo ele, só piora a condição do interno, dificultando sua reinserção na sociedade.

Superintendência alega avanços

A Superintendência do Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo (Seas) afirmou em nota que qualquer denúncia de maus tratos ou irregularidades é apurada com rigor. O órgão disse ainda que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) teria apontado avanços significativos do sistema socioeducativo do Ceará, e confirmado o “cumprimento de medidas cautelares estabelecidas”.

Entre esses avanços estaria a ausência de registros de ocorrências de crises graves, “com a atual inexistência de tumultos ou rebeliões nas unidades”, nem de superlotação. Também de acordo com a superintendência, não há ministração de medicamentos controlados sem a devida recomendação médica. Para 2025, o governo cearense prevê investimentos de R$ 3,4 milhões para a melhoria da infraestrutura dos Centros Socioeducativos, incluindo uma nova unidade feminina.

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