A Uber está enviando e-mails a usuários pedindo que pressionem deputados federais contra o Projeto de Lei 4527/2025, que estabelece regras de remuneração, proteção social e segurança para trabalhadores de aplicativos. As mensagens incluem links para que consumidores enviem textos diretamente ao Congresso, em linha com a posição da companhia.
O movimento reacende o debate sobre a atuação das big techs no processo legislativo e sobre o uso de dados pessoais para mobilização política, levantando suspeitas de interferência privada em políticas públicas e potencial desvio de finalidade no tratamento de informações dos usuários.
“Essa ação subverte a finalidade dos dados e tenta manipular o processo legislativo brasileiro para atender interesses privados”, declarou a Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativos (ANEA), em nota.
A estratégia ecoa o episódio do Google em 2023, quando o governo ordenou a retirada de um aviso contra o PL das Fake News na página inicial da empresa, interpretado como interferência indevida no Congresso e abuso de posição dominante no ambiente digital.
A Uber foi acionada pelo Brasil Fora da Caverna e, até o fechamento, não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Especialista alerta para risco democrático
Para o advogado e mestre em Direito Rodrigo Thomazinho Comar, o disparo de mensagens pode, em tese, violar a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
“A LGPD exige que o uso de dados tenha relação com a finalidade original da coleta. Se a empresa utiliza informações dos usuários para fins políticos, sem base legal, há potencial violação”, explica.
“Se houve compartilhamento desses dados com terceiros sem consentimento, também pode haver infração aos artigos 33 e 44”, complementa.

Comar ressalta que a legislação prevê multas, bloqueio e eliminação de dados usados irregularmente, e que o caso pode ser investigado pela Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) e pelo Ministério Público, inclusive em ações coletivas.
“Além da questão legal, há um impacto democrático. Dados e infraestrutura privada não podem ser usados para desequilibrar o debate público”, afirma.
Menos lobby, mais direitos
O PL 4527/2025 busca definir remuneração mínima, transparência algorítmica, seguro contra acidentes e fornecimento de EPIs, além de garantir direitos previdenciários a trabalhadores de aplicativo.
A ANEA afirma que, em vez de investir em lobby e ações de pressão sobre o Congresso, as empresas deveriam cumprir obrigações trabalhistas básicas e abrir dados sobre acidentes e condições de trabalho.
“Não aceitaremos chantagens, terrorismo ou manipulação de dados para fins políticos”, diz a entidade. “Queremos EPIs, renda digna, formação e transparência — não propaganda fantasiada de participação.”
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