Em Curitiba, cidade que se orgulha de seu legado europeu e eficiência administrativa, Renato Freitas emerge como uma figura disruptiva: um vereador negro, de estilo combativo e discurso afiado, que enfrenta resistência de uma elite política majoritariamente branca e conservadora. Sua trajetória, marcada por embates institucionais e confrontos com o status quo, virou tema de reportagem do The Guardian, que destaca como a “capital modelo” do Brasil lida (ou não) com a ascensão de um líder que desafia suas estruturas tradicionais.
O texto de Tiago Rogero começa lembrando que em 2022, Freitas fez história ao se tornar o primeiro vereador cassado em mais de três séculos da Câmara Municipal de Curitiba. O motivo? Liderar um protesto antirracista que entrou na Igreja dos Homens Pretos ironicamente, um templo construído por escravizados no século XVIII. Acusado de “quebra de decoro parlamentar”, foi expulso por 25 votos a 7, em uma decisão posteriormente anulada pelo STF.
Mas a cassação foi só o começo. Agora deputado estadual, Freitas enfrenta três novos processos de expulsão e uma possível suspensão por organizar protestos de professores. Para ativistas e acadêmicos, os ataques refletem o desconforto de uma cidade que se vê como “europeia” diante de um político que exibe sua negritude sem concessões.
Freitas não se encaixa no perfil do político típico: usa camisetas de Malcolm X, fala em rimas de rap, exibe seu black power e não hesita em criticar abertamente a violência policial no Paraná, estado onde execuções por agentes dispararam sob o governo de Ratinho Junior (PSD). Sua história de vida também desafia estereótipos: criado pela mãe empregada doméstica, perto do presídio onde o pai cumpria pena, ele roubava doces na infância (“porque não tinha acesso”) e só entrou na faculdade de Direito depois de trabalhar como empacotador.
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Seu estilo agressivo rendeu confrontos. Em 2016, foi espancado e preso por “ouvir rap alto demais” no carro. Desde então, diz ter sido detido 16 vezes. Para o cientista político Mateus de Albuquerque, chamado pela reportagem, a reação contra Freitas é racial:
Curitiba quer se ver como branca, mas ele expõe que negros existem aqui e são alvos da polícia
afirmou Mateus.
Já a historiadora Noemi Santos da Silva lembra que Curitiba apagou sua população negra do imaginário urbano: enquanto praças celebram imigrantes italianos e alemães, apenas um espaço remoto homenageia afro-brasileiros.
BookmarkFreitas ocupou um lugar que nunca foi pensado para ele
diz.