Em 2024, a Assembleia Legislativa do Paraná aprovou a privatização da Celepar (Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná), em meio a um turbilhão de críticas, questionamentos jurídicos, protestos de servidores e suspeitas sobre os reais interesses por trás da medida. Criada há mais de 60 anos, a empresa é responsável por operar mais de mil sistemas que conectam governo do Paraná e população em áreas sensíveis como saúde, segurança, educação e gestão fiscal.
O argumento oficial do governo Ratinho Junior foi direto: a venda da Celepar representaria uma economia anual de R$ 19 milhões, supostamente com a extinção de 40 cargos comissionados. O discurso, no entanto, esbarrou em uma série de contradições. Como revelado por dados do Portal da Transparência, esses mesmos cargos foram mantidos e tiveram algumas indicações pela atual gestão — ocupados por apadrinhados políticos, com salários até 2,5 vezes maiores do que os dos servidores de carreira.
Para especialistas e funcionários da própria empresa, bastaria extinguir os cargos comissionados e fortalecer o corpo técnico concursado, sem necessidade de privatização. Mas a pressa do governo em concretizar a venda levanta uma dúvida que ainda paira no ar: por que desmontar, às vésperas do fim do mandato, uma empresa autossustentável, referência nacional em tecnologia pública?
A Celepar não é apenas mais uma estatal: ela carrega nas costas a inteligência operacional do Estado. Responsável por sistemas que integram secretarias, polícias, escolas e hospitais, sua privatização é vista como um risco sistêmico. A troca de comando por uma entidade privada — cujo objetivo maior é o lucro — pode colocar em xeque a segurança de dados de milhões de paranaenses, conforme alerta o Comitê de Trabalhadores contra a Privatização, bem como especialistas na área.
Para além do risco operacional, a venda expõe informações sensíveis do Estado e da população ao mercado. A isenção fiscal que a Celepar possui hoje deixará de existir, e contratos firmados com órgãos públicos precisarão passar por licitação, podendo ser judicializados. O resultado pode ser um apagão administrativo silencioso — o mesmo que se viu em São Paulo com a Enel, após sua privatização.
Sem estudos, sem transparência
O Tribunal de Contas do Estado (TCE-PR) exigiu do governo os estudos que embasariam a decisão de venda. Surpreendentemente, a resposta veio com atraso e sob pressão, pois não havia um estudo preliminar sequer realizado. Na prática, os documentos, sequer existiam até a sanção da lei autorizando a desestatização.
Não houve análise criteriosa, apenas o discurso raso de economia com cargos comissionados
afirmou o advogado Paulo Jordanesson Falcão.
A ausência de planejamento robusto reforça o que muitos já suspeitavam: a Celepar foi colocada à venda por conveniência política, não por necessidade administrativa. E o tempo escolhido — meses antes do ano eleitoral de 2026 — apenas reforça as inquietações. O governo justifica, mas não convence.
E o Estado, está regular?
Enquanto promete eficiência com a venda da Celepar, o Governo do Paraná está desde o dia 22 de junho sem uma certidão válida de regularidade fiscal — documento essencial para comprovar que o Estado está em dia com suas obrigações tributárias federais e com a dívida ativa da União. A informação consta na Certidão Positiva com Efeitos de Negativa, emitida no fim de 2024, mas com validade expirada há mais de um mês.
O fato acende um alerta sobre a situação administrativa, fiscal e política do Estado, principalmente em meio ao processo de desestatização da Celepar. Ainda para Paulo Jordanesson Falcão, advogado representante do Comitê de Trabalhadores contra a Privatização, a ausência da certidão válida escancara uma crise de gestão.
Se o próprio governo está com dificuldade para manter sua regularidade fiscal, como confiar que o dinheiro da privatização da Celepar será bem utilizado? A população precisa abrir os olhos para onde esses recursos realmente irão parar, pois não adianta pegar o dinheiro, fazer uma ponte ou uma estrada e deixar na mão de qualquer empresa todos os dados sensíveis da população e do governo, sem contar a possibilidade de exigências de renovações contratuais e adendos contratuais, o que pode encarecer muito o serviço
afirmou.
A ausência da Certidão Negativa de Débitos (CND) atualizada compromete diretamente a capacidade do Estado de firmar convênios, receber transferências voluntárias da União e contratar empréstimos com garantia federal — instrumentos decisivos para investimentos em áreas como saúde, infraestrutura e educação.
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É inaceitável que o Estado esteja inadimplente ao mesmo tempo em que conduz um processo de privatização dessa magnitude. A falta de regularidade fiscal levanta sérias dúvidas sobre a capacidade do governo de gerir os recursos arrecadados com a venda da Celepar, quanto mais sem ter sido realizado um estudo sequer que embasasse e justificasse essa venda e no que ela beneficiaria a população
completou Falcão.
A pergunta que ecoa entre os contrários à venda da empresa é direta: se o governo já demonstra fragilidade na administração dos recursos públicos, o que garante que os milhões da privatização não vão simplesmente tapar buracos de curto prazo, sem qualquer planejamento de longo alcance?
Estamos diante de um risco não apenas fiscal, mas democrático. Vender a tecnologia pública sem transparência é entregar a soberania digital do Paraná nas mãos do mercado, gerando o que atualmente tem sido chamado por pesquisadores de colonialismo digital, pois pode afetar não só a soberania do nosso Estado, pois há repercussão em outros Estados como por exemplo Pernambuco que utiliza a nota Pernambucana, que é um produto Celepar
finalizou Falcão.
Contratos milionários sem licitação
Em meio à aceleração do processo de privatização, o governo estadual firmou contratos milionários sem licitação, o que levantou ainda mais suspeitas sobre a real motivação por trás da venda da Celepar. Um dos principais exemplos é o contrato assinado com a Ernst & Young Assessoria Empresarial Ltda, no valor de R$ 8,7 milhões, para atuar como consultora técnica da desestatização em outubro de 2024, e um segundo contrato nº 5865/2024 celebrado entre Celepar e também a ERNEST YOUNG ASSESSORIA EMPRESARIAL LTDA, contrato esse firmado no valor de R$2.646.241,40 (dois milhões, seiscentos e quarenta e seis mil duzentos e quarenta e um reais e quarenta centavos), sob a justificativa de “prestação de serviços especializados para estudos técnicos de análise do posicionamento estratégico da Companhia”
Outro contrato, firmado com o escritório de advocacia STOCCHE, FORBES, PASSARO E CAMPOS SOCIEDADE DE ADVOGADOS, para contratação de serviços de assessoria jurídica, com vigência de 19/02/2025 a 18/08/2026, pelo valor total de R$ 1.097.250,00 (um milhão noventa e sete mil duzentos e cinquenta reais), também sem passar por processo licitatório, e tem como objetivo avaliar aspectos tributários ligados à operação, Contrato nº 330/2025.
A descrença do dever de licitar é tanta por parte dos Diretores da empresa que são de indicações políticas, que foi celebrado o contrato administrativo de nº 2300/2025 com o Banco Bradesco BBI S.A, que foi colocado em sigilo, conforme edital publicado em diário oficial, não se justificando nem o que para que seria nem oportunizando que outras empresas pudessem eventualmente se habilitarem para participar de licitação.
As contratações foram realizadas por inexigibilidade de licitação, amparadas por justificativas genéricas de urgência e especialização, mesmo sem a transparência esperada em processos que envolvem recursos públicos em valores tão expressivos.
Trata-se de uma manobra silenciosa que esconde intenções nada republicanas. Como justificar quase R$ 9 milhões em consultorias sem licitação, enquanto se alega falta de recursos para manter uma estatal estratégica funcionando?
questiona Paulo Falcão.
A combinação de pressa política, ausência de estudos técnicos prévios e contratações diretas sem concorrência pública desenha um cenário nebuloso, no qual o interesse coletivo parece ceder lugar a acordos de gabinete. Para servidores e especialistas, a desestatização da Celepar deixou de ser uma política de governo para se tornar um projeto de poder — orquestrado com recursos do próprio Estado, à margem dos princípios básicos da gestão pública.
Estamos diante de um roteiro clássico: desmonta-se uma empresa pública por dentro, cria-se uma sensação de ineficiência, e depois se entrega sua estrutura ao mercado. Mas neste caso, o que está em jogo é o controle dos dados de toda a população do Paraná
alerta Falcão.
Um erro que pode custar caro
A privatização da Celepar não é só uma venda — é um símbolo. A forma como ela foi conduzida mostra um padrão que preocupa: falta de diálogo com a sociedade, desrespeito ao corpo técnico da empresa, ausência de estudos aprofundados e um cronograma que parece responder mais a estratégias de poder do que ao interesse público.
A dúvida que resta ao cidadão paranaense é incômoda, mas legítima: será que o objetivo era realmente “economizar”? Ou seria apenas mais um movimento bem ensaiado de olho em 2026?
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