No dia 25 de junho de 2025, o professor de artes Andrei Pereira Dorneles saía para fumar um cigarro na porta da Escola de Educação Básica Muquém, no bairro Rio Vermelho, em Florianópolis. Foi nesse momento que, segundo ele, um homem o abordou dizendo:
É contigo mesmo que eu quero falar – eu queria ter uma arma para dar um tiro no meio da tua cara.
Andrei conta que tentou se proteger voltando para dentro da escola, mas caiu no chão.
Ele me encheu de socos e pontapés
diz.
O acusado pela agressão é Manoel Abílio Pacífico — militante pela militarização da escola, líder do grupo Pais Conservadores de Florianópolis e já denunciado por perseguir e difamar a orientadora educacional Juliana Andozio, que três anos antes, defendeu o direito de uma estudante trans usar o banheiro feminino da Escola de Muquém.
No dia seguinte ao primeiro turno das eleições presidenciais de 2022, Juliana foi confrontada por uma mãe indignada.
Ela disse que não ia permitir o uso do banheiro feminino pela aluna trans, que ia fazer o que fosse preciso. Eu falei que ela estava equivocada e que procurasse os direitos dela na secretaria
diz a orientadora.
Depois desse episódio, começou a escalada de ódio: denúncias anônimas à Ouvidoria do Estado, acusações de “doutrinação ideológica”, pressão para proibir discussões sobre gênero, sexualidade e democracia na instituição.Ela relata que as ameaças se repetiram em reuniões escolares.
Essas pessoas stalkearam todos os professores. Quem tinha adesivo [do PT] no carro foi perseguido. Uma mãe disse que ia me pegar na porrada na rua
afirma.

Juliana enviou ao Brasil Fora da Caverna cópias de e-mails e documentos que mostram que ela pediu ajuda à Secretaria de Educação de Santa Catarina e ao Núcleo de Educação, Prevenção, Atenção e Atendimento às Violências na Escola do estado. No entanto, ela alega não ter recebido resposta.
Na época, a Secretaria instaurou um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra ela, afastando-a do cargo por 60 dias e depois suspendendo-a por 15 dias sem remuneração.
Foi uma inversão total: em vez de punir o agressor, puniram a vítima
lamenta.
Em abril de 2023, quando Juliana voltou do afastamento, encontrou uma comunidade escolar tomada pelo clima de medo.
O grupo de conservadores jogou fogos na gente, tacaram pedra e ovos. Foi terrível
conta.
Três anos depois, a mesma estratégia se repetiu com Andrei. Após denunciar a agressão sofrida em junho, ele também foi alvo de violência digital e falsas acusações. A Secretaria de Educação chegou a abrir um PAD contra ele, mas arquivou o processo em setembro, após concluir que ele “nunca deixou de cumprir as normas legais” e, portanto, não havia o que punir.
Apesar da vitória, a sensação de desproteção persiste.
Minha vida virou um inferno
fala o professor.
Seu marido, veterinário no Parque Estadual do Rio Vermelho, teve que deixar o trabalho por medo de represálias. O casal também precisou mudar de casa às pressas.
Em agosto, a professora Cecília Rios se tornou a mais recente vítima da ofensiva conservadora contra os professores da Escola de Muquém. Ela propôs uma atividade de avaliação sobre desigualdade social e plebiscito. Um estudante fotografou o quadro e o pai espalhou a imagem. O caso virou munição para vereadores da extrema-direita, que o usaram na Câmara e nas redes para reforçar o discurso pró-militarização. Cecília conta que se sentiu perseguida.
Foi uma foto infeliz de uma questão que não merecia tantos olhares e julgamento. A escola é precária, falta comida, estrutura, e isso ninguém nota — mas distorcem meu trabalho para me expor.
Movimento pró-militarização
Por trás das acusações aos professores há um projeto político para transformar a escola em modelo cívico-militar. No Instagram, a página Pais Conservadores de Florianópolis, com pouco mais de 800 seguidores, funciona como vitrine da pauta e reúne apoio de parlamentares do PL, a exemplo dos vereadores Bericó e Maryanne Mattos, e outros políticos conservadores da cidade.

Em 14 de agosto de 2025, após requerimento do Pastor Giliard Torquato (PL), a Câmara realizou uma audiência pública para debater a viabilidade de implantar o modelo de escolas cívico-militares na instituição. O evento contou com a presença de Manoel Abílio Pacífico, convidado como liderança comunitária, o que gerou revolta entre os professores.
O vereador Leonel Camasão (PSOL), que participou da audiência, destacou que a discussão sequer é competência do município, já que a Escola de Muquém é estadual e qualquer decisão cabe ao governo de Santa Catarina. Para ele, o encontro serviu mais como palanque político do que como espaço de escuta da comunidade.
Camasão comenta que o debate foi desequilibrado.
O presidente da sessão só autorizou a entrada no plenário de apoiadores da proposta, deixando os contrários nas galerias.
Ele também critica o modelo defendido pelo PL. Para o vereador, a militarização não resolve os problemas da escola pública.
O governo Jorginho Mello investe quase três vezes mais nas escolas cívico-militares, mas os resultados do Ideb caíram em média 8% nessas unidades. É um projeto autoritário, que visa capital político, não a melhoria da educação.
Omissão do poder público
O Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina afirma que “desde a primeira denúncia atua fortemente no acompanhamento e busca de responsabilização dos agressores da Escola Muquém”, e cobra medidas que garantam a integridade física dos profissionais da educação.
A entidade reforça que a violência contra professores em Santa Catarina se tornou sistêmica e que a omissão do Estado só amplia as agressões.
A liberdade de cátedra está sob ataque. É urgente uma política pública de proteção aos educadores
afirma o Sindicato.
Para Andrei, o Estado não cumpre seu papel.
Não nos protege, nos transforma em réus.
Juliana acrescenta:
Estamos vivendo um linchamento público dentro da comunidade escolar.
Cecília teme que a história se repita com outros educadores. Ela e os colegas acreditam que não se trata apenas de um caso isolado, mas de um laboratório de perseguição que já se repete em outras escolas do país.
Procurada pelo Brasil Fora da Caverna, a diretora da Escola de Muquém disse que apenas a Secretaria de Educação poderia falar com a imprensa. A reportagem contatou a Secretaria em 19 de agosto, mas não foi respondida até o fechamento.
O Ministério Público de Santa Catarina, por sua vez, disse que não pode divulgar informações sobre procedimentos envolvendo crianças e adolescentes, mas afirmou que a 25ª Promotoria “tem atuado junto à comunidade escolar para melhorar o relacionamento interpessoal e auxiliar na resolução de conflitos”, e que, “no caso da escola citada, houve conflitos, mas foram devidamente solucionados”.
O BFC apurou que Manoel Abílio Pacífico responde a pelo menos seis processos criminais, quase todos relacionados à perseguição de profissionais da Escola Muquém. Apesar do histórico de violência, em setembro de 2025, ele assumiu a presidência do Conselho Comunitário de Segurança (Conseg) do Rio Vermelho — o mesmo bairro da escola.
A posse de Manoel, denunciada por moradores como irregular, já que não houve edital de chamamento público, ainda precisa ser homologada pela Secretaria de Segurança Pública, que foi procurada mas não respondeu até o fechamento. Manoel Abílio Pacífico também foi contatado e não respondeu aos questionamentos.
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