Antes de aparecerem em festivais, acumularem milhões de plays ou subirem ao palco do Rock in Rio, Os Garotin eram apenas três jovens artistas que se encontravam em rodas de música na Baixada Fluminense. Anchietx, Léo Guima e Cupertino vieram de trajetórias individuais, cada um com seu repertório, sua vivência e sua própria relação com a música. A amizade surgiu aos poucos, como costuma acontecer quando afinidades sonoras começam a se revelar antes mesmo de qualquer plano profissional.
O primeiro elo foi entre Léo e Cupertino, que se conheceram ainda em 2018. A convivência diária, dividindo casa, rotina e inquietações artísticas, criou um terreno fértil para que composições surgissem de forma quase automática. Anchietx entrou na equação depois, apresentado por Cupertino após um sarau no Rio. A química foi tão imediata que, em pouco tempo, compor juntos virou hábito, mais natural do que ensaiado.
O projeto, no entanto, não nasceu com a intenção de ser um grupo. Cada um imaginava seguir carreira solo. A formação como trio ganhou contorno quando amigos próximos perceberam que as vozes se encaixavam de um modo raro.
O impulso definitivo veio de alguém que entende de encontros artísticos: Paula Lavigne, que os viu juntos na casa de Caetano Veloso e, antes que eles próprios decidissem, afirmou que já existia ali uma banda. O comentário foi uma provocação, mas serviu como gatilho. A partir dali, eles passaram a olhar para si mesmos como um coletivo.
A estética de São Gonçalo transformada em música

Embora o repertório de Os Garotin tenha referências de R&B, soul, jazz, MPB e Black Music, o que realmente sustenta a identidade do trio é a ligação profunda com São Gonçalo. A cidade aparece como marca, cenário e matéria-prima.
Suas memórias de infância, suas histórias de rua, a experiência da periferia, o orgulho e também as dores atravessam as letras com naturalidade. O primeiro álbum, “Os Garotin de São Gonçalo”, é praticamente um manifesto dessa origem.
No disco, romances se misturam a narrativas sobre racismo, desigualdade e resistência. “Vini Jr”, por exemplo, torna-se um símbolo de jovens negros que ousam reivindicar espaço em lugares onde não foram estimulados a estar. “Em Nome da Paz” ressignifica um episódio de injustiça que ganhou repercussão no Rio e que marcou profundamente a visão do trio sobre seus próprios caminhos.
Em faixas mais leves, como “Garota” e “Violão Amarelo”, aparecem as lembranças afetivas que moldaram suas trajetórias. Há humor, saudade e uma emoção genuína que nasce do cotidiano gonçalense.
Não é à toa que a capa do álbum remete ao brasão da cidade; que o pente de Léo aparece como símbolo de estilo e identidade; ou que a estética do trio mescla sobriedade vintage com elementos que lembram ícones da Black Music. A visualidade acompanha a proposta sonora: sofisticada, mas acessível; nostálgica, porém fresca; trazendo influências externas, mas sem abrir mão da raiz que sustenta tudo.
Essa fusão, de referências brasileiras com o R&B contemporâneo e de arranjos modernos com um sentimento de rua, virou assinatura. Ainda que artistas como Djavan, Tim Maia, Cassiano e Silk Sonic estejam no horizonte, Os Garotin reorganizam tudo à sua própria maneira. E o público reconhece essa autenticidade.
A viralização de “Zero a Cem”, por exemplo, nasceu das redes sociais, mas se sustentou pela força do encontro musical que os três constroem juntos.
Crescimento orgânico e reconhecimento de peso

Quando o trio lançou o EP Os Garotin Session em 2023, ainda não imaginava a velocidade que sua carreira ganharia. Gravado ao vivo, com ênfase nos vocais e no balanço espontâneo, o projeto abriu portas que rapidamente levaram o grupo para palcos disputados.
As apresentações no Circo Voador e na Casa Natura Musical esgotaram ingressos, exigindo datas extras. Na plateia, fãs cantando em coro repetiam uma cena que começaria a ser frequente em outras cidades.
Mas talvez o maior indicativo do impacto de Os Garotin tenha vindo do próprio meio artístico. Caetano Veloso, Ivete Sangalo, Rubel, Péricles, Seu Jorge e diversos nomes de gerações distintas passaram a compartilhar, recomendar e convidar o trio para encontros musicais.
A faixa “Nossa Resenha” chegou a receber participação especial de Caetano. Em São Gonçalo, eles se apresentaram ao lado de Seu Jorge, num gesto de reconhecimento que emocionou os músicos e simbolizou um encontro entre gerações da mesma cidade.
O ápice desse reconhecimento veio com as indicações ao Grammy Latino. O trio competiu em três categorias e venceu uma das mais aguardadas: Melhor Álbum Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa. Era a consagração de um trabalho ainda recente, mas capaz de desbancar nomes consagrados da música brasileira. Para quem começou compondo na sala de casa, foi um salto que reafirmou a força do projeto.
A vitória não alterou apenas a carreira externa do trio. Internamente, ampliou o senso de responsabilidade. Com mais compromissos, turnês e viagens constantes, eles passaram a dividir o tempo entre o convívio pessoal, que continua sendo a base do grupo, e as demandas profissionais.
A mudança para o Rio foi estratégica: aproximação de estúdios, eventos, parceiros e mais segurança para circular. Ainda assim, São Gonçalo permanece como lar afetivo e como ponto de retorno sempre que possível.
O futuro: novas sessões, um segundo álbum e a consolidação de uma identidade

Depois do sucesso do primeiro álbum, Os Garotin voltaram ao formato que os apresentou ao público: os EPs ao vivo. O Session 2, lançado este ano, recupera essa espontaneidade e antecipa o que virá no segundo disco, previsto para 2026. Duas faixas presentes no EP, “Calor e Arrepio” e “Simples Assim”, já farão parte do próximo álbum, mantendo a tradição de que as versões ao vivo funcionam como ensaio do repertório futuro.
O novo trabalho também reforça uma característica do trio: a coexistência entre projeto coletivo e carreiras individuais. Cada um interpreta uma faixa própria no Session 2, lembrando ao público que Os Garotin são, antes de tudo, três artistas com trajetórias singulares, que encontraram uma forma de coexistir sem sufocar identidades.
Essa dinâmica, que parecia confusa aos olhos da indústria, acabou se tornando uma vantagem: a soma de repertórios individuais e coletivos potencializa o alcance do grupo.
O próximo álbum promete mais feats, arranjos ainda mais elaborados e parcerias com nomes que os inspiraram ao longo da vida, sendo que Djavan e Seu Jorge estão entre os sonhos mais citados pelo trio. Também seguem em movimento as produções em homenagem a ídolos como Milton Nascimento e Gilberto Gil, reforçando a conexão entre gerações.
Enquanto compõem e lapidam o novo repertório, Os Garotin circulam por festivais, gravam participações e se preparam para uma turnê maior, com banda completa, metais e o clima exuberante de uma verdadeira boy band brasileira, expressão que eles próprios abraçaram com humor, mas que, de fato, traduz o efeito emocional que criam no público.
Crescidos, moldados e inspirados por São Gonçalo, Os Garotin representam uma das forças mais originais da música brasileira recente. São resultado de uma amizade que virou criação e de um encontro que virou destino. Uma prova de que a mistura de gêneros, vivências, referências e caminhos ainda é o recurso mais potente para renovar a música do país.
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