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Você pagou a esperança com traição

Barroso
(Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil)

O sambão surgiu no carnaval de 1978. As escolas estreavam na Marquês de Sapucaí, uma transversal da Pres. Vargas que se transformaria na Passarela do Samba seis anos depois, por gênio e obra de Leonel Brizola, Darcy Ribeiro e Oscar Niemeyer.

Naquele 1° domingo do fevereiro de 78, a União da Ilha levou o samba campeão (a agremiação ficou em 5° lugar), num fecho repleto de esperança. Esperança cantada em bossa, semanas após, na divina voz de Elizeth, que pelas mãos de Hermínio Bello inscreveu essa pérola no dourado álbum “A cantadeira do amor”. 

Vivíamos de esperança.

A resistência brasileira viu esperança até na visita de Jimmy Carter, passados uns 50 dias do desfile. O presidente da gringolândia falava em direitos humanos e no ano anterior a primeira-dama Rosalynn estivera com D. Paulo Evaristo Arns, tomara conhecimento de assassinatos e torturas, e esfregara denúncias na cara de Geisel. Como não esperar algo mais?

O sisudo Ditador, aquele que não queria ter a fama de vilão a que fez jus, taxou a primeira-dama de “impertinente” com a mesma métrica misógina usada pela mídia hegemônica contra a “impertinente” Janja, culpada de ter feito a defesa da proteção às crianças no Tik Tok, perante Xi Jinping, em maio.

O Tik Tok era cobrado pelo governo desde novembro de 24, mas foi só depois da impertinência de Janja que criou as ferramentas “Controle Parental” e “Experiência Tik Tok”. Ao contrário, a impertinência de Rosalynn Carter, deu em nada.

O casal Carter desembarcou na Base Aérea de Brasília e ali Geisel mandou a letra: disse esperar que Carter formasse “uma justa opinião sobre a realidade brasileira”. De rabo entre as pernas, o máximo que o presidente dos EUA ousou falar, enquanto no Brasil, foi uma vaga menção a “liberdades”. Direitos humanos? Nem pensar! Só “amanhã”.

E no amanhã, que tardou a alvorecer e ainda é hoje (quase meio século depois), o juiz Barroso pega a nossa bem cuidada esperança, a esperança de Tom Zé que desabaria sobre os homens, a esperança dos óculos da filha do Zé Rodrix, a esperança que dançou de sombrinha na corda bamba do Aldir, para depositar na lata de lixo da história.

O juiz marcou sua saída da presidência do STF em festão onde cantou “O Amanhã” e “Vou festejar”, composição de Jorge Aragão, Dida e Neoci para o Cacique de Ramos no carnaval de 77. “Vou Festejar” entrou para a história muito longe da lata de lixo, a partir da gravação de Beth Carvalho no mesmo 78 de “O Amanhã”, e veio a ser um dos hinos da campanha das “Diretas Já!”. 

Passados dois dias da cantoria (não confundir com a reunião de Elomar, Geraldo Azevedo, Xangai e Vital Farias), Barroso ofereceu em entrevista seu currículo ao Mercado e se revelou “Reincidente” no que não poderia, como o pisador de bola da música do Raça Negra. 

Da primeira vez, Barroso estava ali “pelas tabelas” do TSE, em 2018, quando provocado sobre a camisa “Meu partido é o Brasil” de Bolsonaro (continuação do brado estúpido “sem partidos”, dos protestos de 2013). Na ocasião, ele não teve a capacidade de ler, na camiseta, uma alusão à candidatura do Fascista. Deve ter confundido com a blusa amarela da moça que o Chico esperava. 

A vitória de Bolsonaro parece ter adocicado juízos sobre camisas, disparos das Big Techs e até as antes apontadas inconsistências nas contas de campanha do Mito. Tudo permaneceu um “caso mal contado”, na história de amor fascista, “quase sempre perfeita”, diria o Lulu. Deu no que deu. 

Tratamos da “incidência”. A “re” veio na citada entrevista. Ao fim do êxtase narcísico, Barroso se refere aos governadores Tarcísio de Freitas (SP), Ratinhozinho (PR) e CaiadU-Dê-Erre (GO) como “lideranças conservadoras extremamente civilizadas, que não contribuirão para o radicalismo”. Leia de novo para ter certeza.

Barroso passa pano para a trinca de traidores da Democracia dentro da qual (omitindo por falta de espaço a longa lista de malfeitos antidemocráticos), estão os dois campeões nacionais e o quarto lugar, no rol de instituidores de centros de formação de fascistas, somando os três governos estaduais quase 600 (seiscentas) escolas cívico-militares. 

O quase ex-juiz, ignorante da diferença entre “conservador” e “reacionário”, e entre “direita” e “fascismo”, repete com um sorriso maroto que isso “não é problema meu”. Deveria ser, porque a ministro do STF não se permite não dar nome aos bois e não identificar os bichos escrotos que saíram do esgoto.

O mais grave, contudo, é Barroso nada ter aprendido em 2018 e no quadriênio fascista. Escapou à sua hermenêutica que o verso “você pagou com traição, a quem sempre lhe deu a mão”, significa “você pagou com traição, a quem sempre lhe deu a mão”.

Normando Rodrigues

Advogado, mestre em Direito, assessor da FUP, ex-professor da UFRJ e apresentador do programa Trilhas da Democracia.

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