Por Toni Reis – Doutor em Educação e Diretor-Presidente da Aliança Nacional LGBTI+
Entre os dias 21 e 24 de outubro de 2025, Brasília foi palco de um dos encontros mais representativos da história recente das políticas de direitos humanos no Brasil: a 4ª Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTI+.
Com cerca de 2.000 participantes, sendo 1.500 delegadas e delegados das 27 Unidades da Federação, além de convidadas e observadores, a Conferência reafirmou a força e a diversidade do movimento LGBTI+. O evento foi marcado pela presença expressiva de pessoas negras, pela ampla participação das pessoas trans e travestis e pela defesa de uma agenda nacional de políticas públicas voltadas à igualdade, dignidade e cidadania.
Nós, da Aliança Nacional LGBTI+, da ABRAFH e da Rede Gay Latino, com um total de 311 pessoas delegadas, participamos ativamente das discussões e chegamos a uma conclusão nítida: dentro da comunidade LGBTI+, as pessoas trans são hoje o grupo que mais precisa de políticas públicas específicas e urgentes.
Claro que não podemos esquecer das pessoas lésbicas, gays, bissexuais e de outros segmentos da diversidade sexual — mas é preciso reconhecer que a população trans enfrenta os maiores índices de violência, exclusão escolar e dificuldades de acesso ao trabalho e à saúde.
Três eixos para a Cidadania LGBTI+
As 80 propostas aprovadas e as 16 priorizadas pela plenária final foram organizadas em três grandes eixos, que delineiam uma agenda de Estado para os próximos anos.
Eixo 1 – Enfrentamento à violência LGBTI+
O primeiro eixo propõe a criação do Sistema Nacional de Direitos Humanos LGBTI+, integrando o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania ao Ministério da Justiça. Essa estrutura visa prevenir e combater a violência, bem como criar uma Ouvidoria Nacional LGBTI+.
Também foi aprovada a criação de uma rede nacional de casas de acolhimento, com atendimento jurídico, psicológico e educacional, priorizando pessoas trans e travestis em situação de vulnerabilidade.
Outras propostas destacam a formação permanente de servidores públicos em direitos humanos e diversidade, além da inclusão de identidade de gênero e orientação sexual nos sistemas de dados oficiais (como IBGE, SUS e CadÚnico), com a criação de um Observatório Nacional de Enfrentamento à Violência.
Eixo 2 – Trabalho digno e geração de renda
O segundo eixo coloca o foco na inclusão econômica e laboral da população LGBTI+. Propõe políticas de cotas em concursos públicos e processos seletivos, priorizando pessoas trans, travestis e não binárias.
Também prevê cursos populares preparatórios para o ENEM e o Encceja, políticas de acesso e permanência na educação técnica e superior e incentivos ao empreendedorismo e à economia solidária, com destaque para o Mês da Diversidade no Mundo do Trabalho, em maio.
Outra medida relevante é a implementação de ações de letramento LGBTI+ nos ambientes de trabalho, com capacitação obrigatória para gestores e a garantia de licença parental inclusiva.
Eixo 3 – Interseccionalidade e internacionalização
O terceiro eixo aborda a integração das políticas públicas com uma perspectiva interseccional.
Na educação, propõe-se o Programa Nacional Permanente de Formação e Enfrentamento à LGBTI+fobia nas escolas, com formação de docentes e inclusão da diversidade nos currículos.
Na cultura, uma Lei Nacional de Valorização da Cultura LGBTI+ garantirá editais anuais de fomento e apoio às marchas e paradas do orgulho.
Na saúde, o fortalecimento da Política Nacional de Saúde Integral LGBTI+ inclui a ampliação dos ambulatórios especializados, a inserção de medicamentos hormonais na Farmácia Popular e a criação do Programa de Atenção Especializada à Saúde da População Trans (PAES Pop Trans).
Por fim, o eixo contempla políticas específicas para pessoas LGBTI+ migrantes, refugiadas e apátridas, garantindo acolhimento e integração social.
Princípios e avanços
As propostas aprovadas reafirmam princípios centrais do movimento LGBTI+:
Autodeterminação e dignidade humana;
Intersetorialidade e transversalidade de gênero, raça e classe;
Participação social e protagonismo dos movimentos LGBTI+;
Financiamento público permanente e monitoramento contínuo das políticas;
Educação, saúde, cultura e trabalho como pilares de uma cidadania plena e inclusiva.
Essas diretrizes fortalecem a perspectiva de que o Estado brasileiro precisa garantir políticas públicas baseadas em direitos humanos, diversidade e equidade, reconhecendo que a luta pela cidadania LGBTI+ é, acima de tudo, uma luta por democracia e justiça social.
Concluímos que a 4ª Conferência Nacional LGBTI+ foi um marco político e civilizatório. Demonstrou que a diversidade é força, não divisão, e que o Brasil tem capacidade de construir políticas públicas baseadas no respeito e na dignidade de todas as pessoas. Com a ampla representatividade e o protagonismo das pessoas trans e negras, esta Conferência reafirma o compromisso coletivo de continuar lutando por um país mais justo, inclusivo e igualitário.
Como educador e militante, acredito que o conhecimento é a ferramenta mais poderosa para transformar a sociedade. E a 4ª Conferência Nacional LGBTI+ mostrou, mais uma vez, que o amor, a ciência e a política caminham juntos na construção de um Brasil que respeite todas as formas de ser e de amar.
