Quando o Estado do Rio de Janeiro executa malfeitores rendidos, decapita um ser humano sob sua custódia e finca a cabeça em uma árvore, ele usa o Terror contra a população sob seu governo. É obsceno controle social via barbárie
O terror é o medo extrapolado, o pavor paralisante como o olhar da Medusa. Na mitologia olímpica, Deimos era o deus do terror e seu irmão Fobos, o deus do medo. Ambos filhos do incesto entre o deus da guerra Ares e a deusa do amor, Afrodite.
A função de Deimos era, ao lado do pai e do irmão, horrorizar o inimigo em batalha, o que dá sentido ao uso contemporâneo de “terrorismo”.
Desde a primeira revolução liberal em França, chamamos de terrorismo ações extremas em violência e monstruosidade, cuja meta transcende o alvo, em si, para atingir a população e disseminar o pânico generalizado. É evidente na mínima definição consensual o caráter político do terror, a um só tempo arma de guerra e meio de dominação social.
Em outras palavras, o Deimos (terror) é essencialmente um antagonista do “Demos” (povo).
Talvez a grande novidade da trajetória do terrorismo, nos duzentos e trinta e poucos anos da história contemporânea, tenha sido seu emprego pelos oprimidos, sobretudo associado aos movimentos de descolonização que se sucederam à Segunda Guerra Mundial. O Deimos usado pelo Demos, contra a opressão.
O obrigatório “A Batalha de Argel”, de Gillo Pontecorvo (Arg/Ita, 1966), dá falas ao líder revolucionário da vida real Ben M’Hidi, assassinado pelos franceses em 1957. A película inclui duas importantes reflexões tocantes ao terrorismo como instrumento de libertação.
A primeira cogitação é quanto aos fins do terrorismo e pode ser chamada de teoria da centelha – “Iskra” (Искра = centelha), não por acaso, era o nome do jornal fundado por Lenin no exílio, em 1900 –, a que justificaria o terrorismo apenas enquanto demonstração de força capaz de romper a inércia e iniciar uma rebelião popular.
A faísca insurgente do ato de terror desnudaria a fragilidade do opressor, servindo assim o Deimos para mobilizar o Demos, o povo, em sua luta por justiça. Era este o intuito da Al-Qaeda no 11/set/01, sinalizar o início de uma larga revolta muçulmana contra o Império, o que não se deu.
A outra importante pontuação de Ben M’Hidi, posta no filme, trata da similaridade de métodos entre opressor e oprimidos, em que pese a assimetria dos meios.
Questionado quanto à covardia do ato de matar inocentes pondo explosivos em sacolas, o herói argelino responde: “e não lhe parece ainda mais covarde lançar bombas de napalm sobre aldeias indefesas, vitimando milhares de vezes mais inocentes? Claro, se tivéssemos seus aviões, seria muito mais fácil para nós.”
Ou seja, as ferramentas são distintas, mas é óbvia a correspondência ética entre uma bomba plantada pelo IRA em Londres e os “bombardeios de área” das cidades alemãs, pelos ingleses. É o Deimos em ação.
Há uma outra equivalência, hipocritamente negada pela mídia hegemônica na caracterização do agente terrorista. Se, quando o Deimos é utilizado por um grupo político, esta organização é “terrorista”, é necessário que também um governo seja chamado de terrorista ao fazer o mesmo, seja este governo o da França, o do Reino Unido, o de Israel ou o governo do Estado do Rio de Janeiro.
No momento em que o Estado do Rio de Janeiro, não contente com a execução de malfeitores rendidos, decapita um ser humano sob sua custódia e finca a cabeça em uma árvore, ele usa o Deimos não contra o Comando Vermelho, mas contra toda a população sob seu governo, como faziam os bombardeios de terror britânicos. A mensagem passada ao Demos é “eu posso fazer isso!” E “isso” é obsceno controle social via barbárie.
Pior, o Estado do Rio de Janeiro define e ancora sua conduta desconsiderando os interesses do povo governado. Prefere se guiar pelas lentes morais da agitação do Deimos realizada por potência estrangeira. Seu inominável governador o explicitou, ao utilizar a trumpista expressão “narcoterroristas”. Vale um vislumbre de Washington.
Por conta da identidade “ética” entre ações de grupos terroristas e ações de estados terroristas, os EUA há décadas fogem como o diabo, evitando a cruz de uma eficaz definição jurídica de “terrorismo” no plano do Direito Internacional. Tanto assim que, sob Reagan, em 1985, o Império liderou a resolução 40/61 da Assembleia Geral da ONU, a qual condena o “terrorismo” sem dizer “o que é”.
Onze anos depois, a cúpula estadunidense (e não mais a ONU; apenas o Império) aprovou seu Ato Contra o Terrorismo e em Favor da Pena de Morte, pretendendo aplicá-lo no mundo inteiro, o que em 2001 foi reforçado pelo trôpego Ato Patriótico de Bush Júnior. O exame do emprego prático dessas legislações imperiais as revela como instrumentos de domínio mundial. Nada mais!
É preciso anotar que jamais um império foi bem sucedido em suas aventuras coloniais, sem ter a servil colaboração das elites colonizadas, traidoras de suas pátrias. É este o escandaloso caso do fascismo brasileiro, mais conhecido por bolsonarismo, incluídos o clã Bolsonaro e o inominável governador do Estado do Rio de Janeiro.
O fervoroso defensor de matanças, além de dever toda a sua carreira política à ideologia de Hitler, é um notável lacaio de Miami – aliás, onde residem os donos do comércio de drogas no Brasil. O colabora com a Casa Branca e envia relatórios ao Império, mas não passa informações a Brasília.
Diz combater o tráfico, mas advoga para a antiga refinaria privada que lava dinheiro e comercializa derivados de petróleo importados ilegalmente. Recusa a PEC da Segurança Pública, que integraria dados, recursos e esforços contra o crime organizado, ao passo em que busca um separatista consórcio com lacaios congêneres, Fascista de Freitas à frente.
Trump e o ora ocupante do Palácio Guanabara comungam do fascismo e de sua intrínseca espetacularização do Deimos no suposto combate às drogas e ao crime organizado. Fazem proselitismo midiático do extermínio televisionado de ocupantes de barcos e de suspeitos rendidos assassinados pelas polícias, transformando seus infelizes cães de guerra em julgadores e executores, em esquadrões da morte de duas republiquetas de bananas, a dos gringos e a nossa.
A ostentação do Deimos na glamourização das execuções é, a um só tempo, tática para captar apoio político e pretexto estratégico para fundamentar a busca de objetivos outros. Lá, derrubar governos e se apropriar de petróleo e de outros recursos naturais. Cá, intentar o retorno do fascismo ao Palácio do Planalto.
Outro ponto comum entre as imbecis políticas dos yanques e cowboys deles, e dos nossos acéfalos governadores e seus marombados trogloditas, está na intencional ineficácia das ações. O fentanil não passa pelo Caribe e o dinheiro das drogas é encontrável não nos CPXs do Rio, e sim nos mais de 40 escritórios investigados na Faria Lima apoiadora de Fascista de Freitas.
Os mortos no Alemão, policiais, inocentes e traficantes, perderam suas vidas neste quadro: um show do Deimos inútil no combate ao crime organizado, mas muito útil politicamente para fazer com que o Demos vote em quem defende os maiores criminosos e os ricos.
Cabe ao Demos, o povo, afastar o terror, e repelir Deimos e seus sanguinários sacerdotes. É vital refrear nossos impulsos reativos e resistir à tentação de reagir a violência, policial ou da bandidagem, com mais violência, para se impor justiça. É vital não responder ao terror, venha de quem vier, com terror ainda maior.
É vital afirmar aquilo que efetivamente desarma tanto o crime organizado, quanto o fascismo: valores republicanos e democráticos, o diálogo social e a política com forte participação popular.
É isso o que eles, comensais da morte, temem. O que seja vital. A vida!
Todavia, no âmbito da desastrosa ação reivindicada pelos governadores que gostam de matar gente, é da mesma forma vital fazer as perguntas certas:
- Câmeras corporais dos policiais foram desligadas? Quantas? Por que? Das que não foram desligadas, o que as imagens revelam, além das cuidadosamente selecionadas para serem exibidas a favor da matança?
- Houve execução de rendidos, independentemente da ficha criminal, ou não?
- Ocorreu alguma decapitação? Em qual circunstância? A cabeça foi realmente fixada em uma árvore?
Isso é o que importa saber. Até que se saibam as respostas, o nome do ocorrido é CHACINA e o inominável governador e seus partícipes são os culpados.
P.S. Na batalha pela prevalência da civilização e da democracia, a arte tem importante papel. Um atentado do IRA em Warrington, Inglaterra, em fevereiro de 1993, matou dois meninos, de 3 e 12 anos de idade, e levou a saudosa Dolores O’Riordan, dos “The Cramberries”, a compor “Zombie”, um hino contra a violência que contribuiu para o abandono do terrorismo pelo Exército Republicano Irlandês.
Está no mesmo nível, ou acima, a poderosa poesia de Bia Ferreira, “O Seu Silêncio é Parte da Violência!”. Não deixe de conhecer!
