A democracia brasileira atravessa mais um momento decisivo. As investigações requisitadas pela Procuradoria Geral da República, feitas pela Polícia Federal, assim como as cautelares pedidas por ela e autorizadas pelo Supremo Tribunal Federal, revelaram a extensão das articulações ilícitas de Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e seus aliados, entre eles o pastor Silas Malafaia, para pressionar e coagir ministros do STF, desestabilizar as instituições nacionais e submeter a soberania brasileira a interesses estrangeiros.
Se até pouco tempo Malafaia orbitava como voz estridente de apoio, o avanço das investigações o colocou diretamente no centro da engrenagem criminosa: suas próprias mensagens, vídeos e conselhos estratégicos revelam o papel de orientador e incentivador de atos de coação contra o Supremo e de interferência direta em processos judiciais. A gravidade é tamanha que, no dia 18 de agosto, o Ministro Alexandre de Moraes determinou contra ele medidas cautelares ainda brandas — retenção de passaporte, proibição de contato com demais investigados e busca e apreensão em sua residência.
O parecer da Procuradoria-Geral da República foi peremptório: Malafaia não é mero espectador, mas ator que, de forma consciente, ajudou a articular ameaças contra ministros do STF, suas famílias e autoridades públicas. A Polícia Federal, em seu relatório final, foi além: identificou nele um elo fundamental para dar verniz religioso e popular a uma campanha que visava, em última instância, abolir violentamente o Estado Democrático de Direito.
Eis a delicadeza de sua situação: diferentemente de outrora, quando podia se abrigar sob o discurso inflamado da fé ou da perseguição política, agora se vê enredado por indícios concretas de possíveis crimes praticados — mensagens recuperadas de celulares, áudios, vídeos publicados em rede social. Não há espaço para retórica quando o que está em jogo são indícios sólidos de crimes como coação no curso do processo (art. 344 do Código Penal), obstrução de investigação (Lei 12.850/2013) e até mesmo a abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal).
A consequência natural de tamanha evidência é que Malafaia pode passar, e logo, da figura de investigado e acautelado pela justiça criminal a réu processado e exposto a sérias futuras condenações. No curso da investigação ora em curso ou de eventual ação que venha a ser proposta, não se pode afastar sequer a hipótese de prisão preventiva, diante da gravidade das ameaças e do risco de reiteração criminosa — exatamente o que fundamentou a decisão cautelar do STF.
Cabe registrar: não há perseguição religiosa ou política, seja no pedido da PF e em seu relatório, seja no parecer favorável da PGR, seja na decisão instruída e fundada do Ministro Alexandre de Moraes. O que há é uma linha clara de separação entre a liberdade de expressão e a prática criminosa de atentar contra a ordem constitucional. Ao desafiar a República e suas leis, Silas Malafaia ultrapassou a fronteira do debate público e ingressou no terreno dos crimes contra a democracia.
É hora de reconhecer que a nossa soberania não pode ser moeda de troca em negociações de bastidores com uma potência estrangeira. Muito menos pode ser ameaçada por lideranças religiosas que confundem púlpito com palanque. O Brasil é maior que seus falsos profetas, e a Constituição é mais duradoura que os arroubos de quem se imagina acima da lei.
Aos que ainda o seguem, convém uma advertência: a Justiça brasileira não se curva a intimidações. E a democracia não se ajoelha diante de ameaças.
Florianópolis, 23 de agosto de 2025.
Ruy Samuel Espíndola,
Advogado publicista, sócio fundador da Espíndola & Valgas, Advogados Associados, Professor de Direito Constitucional e Eleitoral, Mestre em Direito UFSC, Acadêmico cadeira 14, da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, Patrono Criminalista Acácio Bernardes.