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Ser uma colônia do império ou ser uma nação livre e soberana?

Há dois lados na divisão internacional do trabalho: um em que alguns países se especializam em ganhar, e outro em que se especializam em perder. Nossa comarca do mundo, que hoje chamamos de América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se lançaram pelo mar e fincaram os dentes em sua garganta. (Eduardo Galeano em Veias abertas da América Latina).

O Brasil está sob ataque do imperialismo. Mais uma vez a potência decadente do Norte mostra a sua truculência e desfere um golpe traiçoeiro contra um país da América do Sul, da América Latina, do Sul Global. 

O tarifaço de Trump e as ameaças estadunidenses vêm de fora, mas contam com seus agentes internos, vassalos submissos aos interesses de uma potência estrangeira. O jornalista Barbosa Lima Sobrinho certa vez disse: “ao longo dos séculos só há dois partidos no país: o partido de Tiradentes, defendendo os interesses do Brasil, e o de Joaquim Silvério dos Reis (delator dos inconfidentes mineiros), traindo os interesses do Brasil”

Desde a colônia a história se repete constantemente, seja como tragédia, sejacomo farsa. De um lado, os que projetam e lutam por um Brasil soberano, independente, altivo nas suas relações com as outras nações. De outro lado, os vendilhões da pátria, os negociadores da soberania de um povo, que ganham muitas moedas de ouro pela sua vassalagem aos impérios de fora. 

Na nossa história não tivemos uma revolução brasileira, um processo de ruptura com o passado colonial, subalterno, escravista, onde as elites, as classes dominantes, desde o início da colonização até os dias de hoje, são oligarquias colonizadas, sem projeto de nação, sem projeto de sociedade, sempre agindo como agentes bem remunerados à serviço dos interesses de fora. Antes submetidos àsmetrópoles Portugal e Inglaterra, hoje aos Estados Unidos, ou o que podemos chamar Ocidente Coletivo Ampliado. 

Nos poucos momentos da nossa história em que o povo, os de baixo, os trabalhadores ou mesmo alguns setores das classes dominantes – Vargas, por exemplo -tentaram construir com as suas próprias mãos um projeto nacional, popular, independente e soberano, fomos golpeados de fora com o apoio direto dos traidores de dentro, traidores que nasceram no Brasil, falam português, mas morrem de vergonha dasua condição de brasileiros. As nossas classes dominantes, desde o início, sempre preferiram ser europeias ou estadunidenses, se veem como tal, têm seus corações e mentes voltados para o Norte, rechaçam a sua condição latino-americana, as raízes mestiçadas de ameríndios, ibéricos e africanos. São a expressão perfeita do que o teatrólogo Nélson Rodrigues chamou de “complexo de vira-latas” (nada contra os simpáticos cães sem raça definida), a síndrome de inferioridade cultivada pelas elites brasileiras e reproduzida pelo conjunto do povo.

Assim é que as ameaças estadunidenses contam com o apoio interno dos bolsonaristas, de pastores evangélicos da teologia do domínio, de parte significativa das classes dominantes vassalas, da bancada fisiológica do centrão no Congresso, da grande mídia hegemônica e das não tão gloriosas forças armadas. 

Só para lembrar, recentemente, há menos de dez anos o governo golpista de Michel Temer cedeu a Base de Alcântara para o Estados Unidos, as nossas forças armadas são treinadas pelas forças estadunidenses e são receptoras de tecnologia e material sucateado. Neste mês de julho de 2025 foi realizado exercício conjunto das forças brasileiras com forças dos Estados Unidos na Caatinga. (https://www.brasil247.com/blog/exercito-dos-eua-faz-operacao-core-25-com-militares-brasileiros-na-caatinga-e-planeja-se-estabelecer-ate-2028-x1bl20mb). Curiosamente enquanto Trump lançava um tarifaço contra o Brasil, nossos valorosos militares treinavam em conjunto com os milicos gringos em território nacional. No dia 25 de julho, em plena crise com o governo Trump, os altos comandos militares brasileiros lançaram, quase em tom de advertência; que não se afastarão dos Estados Unidos e que continuarão com as operações militares estadunidenses, com intercâmbios e aquisição de armamentos fornecidos pelos Estados Unidos, rechaçando a sua substituição por intercâmbio com a China ou a Rússia. (https://www.brasil247.com/blog/forcas-armadas-mandam-novo-recado-a-lula-afirmando-que-prosseguirao-com-os-eua ). 

O mínimo que se recomendaria aos altos comandos seria alguma prudência, esperar os desdobramentos da crise, suspendendo a agenda de operações conjuntas com as forças militares dos Estados Unidos. Por outro lado, o recado dos militares a Lula é mais uma demonstração de como as nossas forças armadas se sentem como um poder superior, à parte da cidadania, demonstrando um imenso desprezo pela democracia e pelo povo brasileiro, não respeitando o que é determinado pela Constituição como subordinados ao seu Comandante-em-chefe, no caso o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. Um alto comando militar que deveria ser nomeado em homenagem ao seu patrono espiritual, Joaquim Silvério dos Reis. 

Mesmo com as perdas que as tarifas de Trump impõem aos produtos brasileiros, vemos os agentes internos do imperialismo fazendo pronunciamentos e editoriais insistindo que a responsabilidade por tudo isso é do Presidente Lula e sua política, considerada irresponsável pelos entreguistas, de afastamento do Estados Unidos e de alinhamento com a pauta do Sul Global. Os últimos editoriais do Estadão, como de outros jornais da grande mídia, chegaram a advertir Lula de que o Brasil deveria sair do BRICS e entrar em contato com Trump para pedir (suplicar?) um acordo visando a redução das tarifas e a cessão dos minérios estratégicos das terras raras brasileiras. 

Mas devemos nos perguntar qual o verdadeiro significado da crise que está em curso. O que está por trás de tudo isso? Trump age apenas para salvar o seu parceiro ideológico Bolsonaro? Qual o papel desempenhado por personagens como Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo (neto do ditador general João Figueiredo) nas ameaças à soberania nacional? E o papel da CIA? E as Forças Armadas brasileiras?

São muitos os pontos frágeis.

A defesa de Bolsonaro é apenas o instrumento usado em um contexto globalem que está em curso uma guerra geopolítica que escala constantemente e atinge não apenas o Brasil, mas todo o mundo, em especial o BRICS e o Sul Global. Uma guerra que mescla aspectos de guerra fria, de guerra quente, de guerra híbrida e que se desenvolve desde a grande depressão do capitalismo global de 2008, aprofundando a crise do sistema imperialista, a decadência da hegemonia dos Estados Unidos e do conjunto do Ocidente Coletivo Ampliado e a ascensão de um mundo multipolar com a criação e ampliação do BRICS e com o eixo das atividades econômicas e do desenvolvimento tecnológico deslocando-se do Atlântico Norte para o Sul Global, o Oriente e o Pacífico. 

O cenário é de um mundo em transformação acelerada e de uma crise de hegemonia global, para utilizarmos no plano geopolítico um conceito gramsciano que significa o lapso de tempo em que a velha ordem está sucumbindo, mas ainda tem forçasuficiente para sobreviver em agonia, e a nova ordem se encontra em nascimento, mas ainda não tem a potência adequada para se impor definitivamente. 

Esse é o quadro global que, a partir da grande crise do capitalismo de 2008, abre espaço para os neofascismos e impulsiona a segunda grande ofensiva do capitalismo neoliberal, revelando a sua verdadeira essência, sem quaisquer veleidades democráticas, embora a ordem imperial ainda utilize essa retórica, cada vez mais fantasiosa, quando vemos Estados Unidos e Europa apoiando explicitamente um genocídio televisionado na Palestina e colocando o mundo todo à beira de um conflito militar generalizado. 

Esse é o pano de fundo dos ataques do governo Trump ao Brasil, aos membros do BRICS e ao Sul Global.

A ofensiva atual, com o anúncio do tarifaço de 50% sobre os produtos brasileiros, se iniciou poucos dias após a realização da Cúpula do BRICS no Rio de Janeiro. Reunião onde mais uma o Presidente Lula denunciou o genocídio do povo palestino patrocinado por Israel, Estados Unidos e Europa, como também enalteceu a importância da consolidação do mundo multipolar e a necessidade de que as economias do planeta se desvencilhem da tirania do dólar e dos mecanismos financeiros dominados pelo sistema imperialista. Ao mesmo tempo, a carta de Trump anunciando a tarifa buscou justificar a medida para defender os interesses nacionais dos Estados Unidos, que estariam em risco pelo uso do PIX, pelas práticas “ditatoriais” do Supremo Tribunal Federal, pela perseguição ao ex-presidente Bolsonaro. É bom lembrar que do ponto de vista econômico as ameaças de Trump não fazem o menor sentido, pois o Estados Unidos tem uma relação comercial superavitária com o Brasil. 

O ataque ao Brasil conta com apoio dos brasileiros inimigos do Brasil que se encontram em território estadunidense, principalmente os conspiradores traidores Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo, neto do ex-ditador general João Figueiredo.

O ataque se dirigiu contra a ordem multipolar, contra o Sul Global, atingindo diretamente o Brasil, no momento o elo mais fraco do BRICS.

Quando se fala em elo mais fraco do BRICS estamos nos referindo aos pontos de fragilidade da posição brasileira no cenário geopolítico e a ação antibrasileira dos agentes internos indicados no início do texto. 

E o ataque é organizado e mobiliza diferentes atores do bloco imperialista. Há cerca de uma semana, em meados do mês de julho, o secretário-geral da OTAN, Mark Rutte, informou que o Brasil poderia sofrer sanções por manter relações comerciais com a Rússia. O Chanceler Mauro Vieira foi obrigado a responder lembrando que a intervenção do dirigente da OTAN não tem o menor sentido, pois o Brasil não faz parte da aliança militar e também porque a mesma não tem competência para tratar de questões de comercio internacional, principalmente do comércio internacional do Brasil.  

Voltamos ao que interessa, o que está por trás de tudo isso? O que será que Eduardo Bolsonaro prometeu a Trump para que o mesmo enviasse a carta com ameaças ao Brasil, ao Presidente Lula, ao Supremo Tribunal Federal? 

Por um lado, a intervenção estadunidense na política interna brasileira antecipa o quadro eleitoral de 2026. Por outro lado, o governo estadunidense já explicitou que tem interesse nas terras raras brasileiras e metais estratégicos e para isso tem interesse em um governo dócil, entreguista, vassalo. Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), o Brasil tem a segunda maior reserva de terras raras do mundo, representando 25% do território existente. Dentre os minerais estratégicos estão o nióbio e o lítio, fundamentais no estágio atual das novas tecnologias.

As possíveis promessas de Eduardo Bolsonaro são as mesmas que os agentes da Faria Lima e o seu possível candidato Tarcísio de Freitas também fazem: privatizar a Petrobras, entregar para o capital privado as reservas petrolíferas da Margem Equatorial, entregar a Amazônia e as terras raras. Ou seja, transformar o Brasil em um protetorado do Império estadunidense, um imenso Porto Rico. Mais uma vez as veias abertas do solo pátrio. 

É obvio que esse projeto de entrega do Brasil enche os bolsos de muitos brasileiros (na verdade não muitos, mas alguns). Aqueles que sentem vergonha do seu país, os sabujos inimigos do Brasil. 

O que está em curso é uma guerra geopolítica, onde o império busca se posicionar, reagindo à sua própria decadência. No dia 24 de junho de 2025, há dois dias atrás, agentes da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) divulgaram informações de que existem indícios de envolvimento direto da CIA e do governo Trump nas ações dos grupos bolsonaristas no Brasil e nos Estados Unidos nos ataques ao governo brasileiro e às instituições nacionais. Isso significa que a CIA estaria alimentando as ações de políticos da direita brasileira com o objetivo de desestabilizar o governo Lula. (https://revistaforum.com.br/global/2025/7/24/cia-pode-estar-por-tras-de-aes-bolsonaristas-dos-eua-contra-brasil-suspeita-abin-183978.html ; https://www.abi.org.br/inteligencia-suspeita-de-acao-da-cia-contra-o-brasil/ ).

A questão não está resolvida, embora o Presidente Lula tenha designado o Vice-Presidente Geraldo Alckmin para estar à frente das negociações com o governo do Estados Unidos. No entanto, o governo Trump bloqueou todos os canais de negociações.

Como o inimigo não está apenas do lado de fora, mas existe uma quinta coluna fortalecida em território nacional (forças armadas, bolsonaristas, Faria Lima, Globo, Estadão, Folha, Veja, pastores evangélicos, agronegócio etc), não podemos ter a ilusão de que por se falar português, torcer pelos times brasileiros, gostar de caipirinha efeijoada, os entreguistas inimigos do Brasil estarão do lado da independência e soberania nacional, por mais que adorem sair fantasiados de fascistas com suas camisas amarelas da seleção e digam “nossa bandeira jamais será vermelha”. Estamos em meio a uma guerra global e temos inimigos internos a combater. E, possivelmente, a melhor maneira de realizar esse combate é forjar um discurso soberanista e nacional, travar uma intensa luta ideológica e política, mobilizar o povo, os trabalhadores, aqueles que vivem do seu trabalho, pequenos e médios proprietários, setores das classes médias, partidos políticos de esquerda e centro-esquerda, centrais sindicais, movimento dos trabalhadores sem-terra, movimentos sociais etc. E cada um de nós temos esse desafio pela frente, fazer um trabalho de conscientização e mobilização, politizar o debate.  

Vila Nova de Gaia, Portugal, 26 de julho de 2025.

João Ricardo Dornelles

Participante

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