Em editorial de 31.07.25, a revista The Economist reagiu com contundência à decisão de Donald Trump de sancionar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal brasileiro.
A matéria, intitulada “Donald Trump’s unprecedented attackon Brazil’s judiciary” (“O ataque sem precedentes de Donald Trump ao Judiciário do Brasil”), identifica com clareza o que se esconde sob o véu da retórica: trata-se de um ataque deliberado à independência do Judiciário em um Estado democrático de direito estrangeiro, feito por um presidente dos Estados Unidos, aliado confesso de Jair Bolsonaro.
A justificativa para a sanção, ancorada no chamado Global Magnitsky Act, é que Moraes teria violado direitos humanos e reprimido a liberdade de expressão ao julgar e investigar os ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023 e os eventos conexos. Em verdade, o ministro tem sido o mais firme defensor das instituições brasileiras diante da mais grave tentativa de ruptura institucional desde o golpe de 1964. Não há imparcialidade possível entre a democracia e o golpismo.
Trump acusa Moraes de suprimir liberdades. Mas a realidade — dolorosa para os que operam na negação factual — é que as liberdades que o bolsonarismo quer exercer são, em si, formas de violência contra a ordem constitucional. A liberdade de agredir jornalistas, de manipular redes, de desinformar as massas, de incitar à quebra institucional, não é liberdade: é licença para o arbítrio, é o “direito à destruição do direito”.
Ao impor sanções a um juiz estrangeiro, Trump inaugura um novo e perigoso capítulo do autoritarismo global: o da intimidação transnacional de magistrados constitucionais, de Cortes Constitucionais. Uma forma moderna de extraterritorialidade perversa, que tenta projetar sobre o mundo a lógica de exceção autoritária que paira sobre seu projeto de poder.
A crítica da The Economist é certeira: a decisão de Trump rompe com o padrão civilizatório de respeito mútuo entre poderes soberanos e lança uma sombra sobre a já combalida ordem liberal internacional. Mais que isso, explicita a aliança ideológica entre bolsonarismo e trumpismo — dois rostos da mesma moeda autoritária que circula entre as democracias, corroendo-as por dentro, pela via do ressentimento, da mentira e da manipulação.
Não se trata apenas de defender Moraes, ainda que ele o mereça, por sua coragem institucional e moral. Trata-se de defender o princípio mesmo da jurisdição constitucional independente, da separação dos poderes e da dignidade das instituições democráticas republicanas — brasileiras ou estrangeiras. Trata-se de enfatizar que o ataque a um juiz brasileiro, quando feito por um líder estrangeiro autoritário, é, no fundo, um ataque à democracia de todos nós, povo brasileiro.
Não por acaso, as mesmas forças que vilipendiaram as urnas brasileiras, que marcharam sobre o Congresso Nacional, que conspiraram à luz do dia pela subversão do Estado de Direito, agora comemoram a tentativa de Trump de desacreditar e punir um ministro da Suprema Corte brasileira. Os golpistas não se arrependem: internacionalizam-se!
Por isso, é preciso dizer, alertando: nenhuma democracia é uma ilha neste conturbado mundo. E nenhum juiz constitucional, garantidor da democracia e seus valores, pode ser deixado à própria sorte quando os ventos da intolerância se tornam globais. Defender Alexandre de Moraes, aqui e em qualquer outro país onde a democracia seja um valor constitucional, é defender a Justiça como ideal e como instituição imprescindível à civilidade, o Brasil e, paradoxalmente, os próprios Estados Unidos — não o de Trump, mas o da Constituição que ele insiste em violar.
Ilha do Desterro, “Ondina” de Cruz e Souza, 01 de agosto de 2025.
*Acadêmico assente na cadeira de n. 14, da Academia Catarinense de Letras Jurídicas, cujo patrono é o criminalista Prof. Acácio Bernardes.