Encerramos em setembro a temporada também chamada de “Ano do Brasil na França”. Não cabe aqui comentar detalhadamente, mas estamos longe das ambições de 2005, outro ano do Brasil na França. Há 20 anos, também com Lula presidente, foi construído um pavilhão do Brasil no Carré du Temple, no coração de Paris.
O 14 de julho, dia da tomada da Bastilha e principal feriado francês, foi comemorado com um show que reuniu 30 mil pessoas na própria Bastille, apresentado por ninguém menos que Henri Salvador, que anunciava uma “revolução musical” com o elenco: Daniela Mercury, Lenine, Seu Jorge, Jorge Ben, Gal Costa, Ilê Ayê e o ministro Gilberto Gil. Foi histórico! Foi possível! (Ver Aqui).
Em 2025, houve visivelmente boas intenções, mas certamente menos recursos e sem uma perspectiva política clara. A questão que se coloca para nós é: Qual Brasil queremos promover, não como “imagem” no exterior, mas principalmente como projeto de mudança, um horizonte possível, para nós mesmos?
Nas perspectivas atuais, que deixaram algumas frustrações e ausências, o Ano do Brasil na França também teve seus momentos bonitos em 2025. A comunicação da “Paris Plage”, a praia artificial que é criada na beirada do Sena durante o verão há mais de 20 anos, teve o Brasil como tema principal, com animação de Robertinho, o produtor da Lavagem da Madeleine em Paris, evento inspirado na Lavagem do Bonfim em Salvador, que é retratado em filme de Liliane Mutti (Ver trailer).
O professor Leonardo Tonus organizou um longo ciclo de debates na Sorbonne Nouvelle, com ótimos convidados. Houve exposições imperdíveis como a de Tarsila do Amaral no Museu do Luxemburgo, o sucesso do sempre surpreendente festival de cinema da Jangada na primavera, a atuação mais politizada da associação Autres Brésils, a vinda do presidente Lula, muito querido por aqui, que recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade Paris 8. Todos os eventos lotados.
O ponto forte para mim foi a participação especial no festival literário Etonnants Voyageurs de Saint-Malo, com organização da FLUP (Festa literária das periferias) e presença de escritoras e escritores de referência na atualidade, como Jefferson Tenório, Itamar Vieira Jr, Djamila Ribeiro, Eliana Alves Cruz, Geovani Martins.
O Brasil não é um pequeno país nas relações com a Europa. Trata-se do primeiro parceiro comercial na América Latina. Do lado de cá, os viajantes brasileiros estão sempre presentes. Nas olimpíadas de 2024, os brasileiros foram medalha de bronze no turismo, atrás apenas dos americanos e alemães, privilegiados por sua moeda e posição geográfica. (Ver matéria).
Existe, no entanto, um paradoxo imenso entre essa presença constante e a ausência de conhecimento. Deve-se recusar com todas as forças o “lugar do exótico”, como se brasileiros – e principalmente brasileiras – fossem corpos e europeus razão. Isso é nocivo, redutor. Conceição Evaristo sempre denunciou que, por ser negra, achavam que ela deveria saber dançar. Os brasileiros não podem ser somente aquele povo da “festa” (ou fiesta), enquanto os povos do norte global são os povos do “trabalho”. Até mesmo porque a demonstração que falta a ser feita, principalmente nos dias de hoje, é que a festa é sobretudo também trabalho, muito trabalho.
Que o digam as milhões de pessoas envolvidas na preparação do Carnaval – dos carnavais, pois são múltiplos – todos os anos no Brasil. A cultura é um setor econômico de primeira importância. Na França, um primeiro relatório feito em 2013 cruzando dados da economia com a cultura revelou que o setor produz mais recursos que a indústria automobilística e que a gigantesca indústria do luxo (Ver documento). E a cultura é dinâmica, coletiva. Ela é psicologicamente, socialmente e ecologicamente um setor positivo.

Estamos num momento em que se torna necessário impor a importância do Brasil nas discussões. Não seria estranho ter mais traduções em português nos museus franceses e nos espaços culturais, ter mais eventos brasileiros ao longo do ano, mais livros publicados e traduzidos, mais espaço para o estudo da cultura do Brasil e trocas culturais, acadêmicas e tecnológicas, com recursos à altura para os projetos.
A questão climática e ambiental merece uma atenção particular, mas o conjunto cultural também. Lembremos que a China e a Coreia saíram do lugar de países do terceiro mundo para potências mundiais, a primeira com industrialização e reconhecimento do seu peso mundial, a segunda com educação e tecnologia.
Brasileiros estão em todos os lugares aqui, como imigrantes, trabalhadores, refugiados, alguns professores, arquitetos, cientistas, médicos, empresários e até nos partidos políticos, ainda que invisibilizados. As ideias do Brasil precisam chegar ainda mais, serem respeitadas, com toda complexidade que já existe no exterior, e que precisa ser entendida. A presença do Brasil vai das igrejas evangélicas, do catolicismo popular e de Iemanjá ao funk das favelas, da Amazônia à cooperação universitária, da Lei Maria da Penha ao cinema, do MST às rodas de choro e de samba, que nenhum europeu sabe dançar.
Da capoeira a Sebastião Salgado. De Flávia Coelho a Paulo Coelho, e a Paulo Freire. Você não sabe, mas a caipirinha já é um drink presente em quase todos os cafés de Paris, quiçá da França. A questão é: com que cachaça ela é feita? Disso ainda os franceses e europeus não entendem. Mas deveriam se interessar mais.
É tempo de desejar novos encontros, pois a França também não é a França parada na torre Eiffel e nos tempos de Simone de Beauvoir e Jean Paul Sartre. É preciso pensar no encontro do carnaval brasilieiro com o carnaval do Caribe francês. Do Museu da Imigração com os museus de favela, das praias do Atlântico com a Nova Caledônia e com o mediterrâneo francês e francófono.
Do Brasil que fala português com a África que fala português, francês e inglês, bem como suas diversas línguas. Essa África que está nas periferias da França, e é um mundo de possibilidades novas, para brasileiros também. Periferias falando com periferias, onde realmente mora o povo. Está aberta a temporada da França no Brasil.