Quando o Estado de Direito é ameaçado ou aprisionado em alguma de suas expressões por seus algozes, o jurista não pode se omitir. O silêncio do espectro jurídico, nesse contexto, não é prudência: é cumplicidade. Esta coluna nasce, pois, como ato de insurgência. Um habeas corpus simbólico — impetrado em favor da democracia brasileira, ameaçada de constrangimentos ilegais ou coacta por forças autoritárias que usam da retórica populista reacionária e de ações autoritárias para abusá-la ou sequestrá-la.
O nome não é acidental. O habeas corpus é a mais antiga das garantias e deve ser o mais expedito e heroico dos remédios jurídicos: uma petição ao Judiciário contra a violência de poderes. É, também, um grito de liberdade, um não rotundo ao arbítrio. E é exatamente isso que esta coluna pretende ser — um brado técnico e consciente, vindo do Direito, contra a captura das instituições democráticas por interesses espúrios, falsos moralismos e revisionismos históricos que buscam retroceder as nossas conquistas de liberdades e direitos fundamentais.
Desde a promulgação da Constituição de 1988, vínhamos construindo, com avanços e percalços, uma democracia plural e inclusiva, com freios, contrapesos, direitos e garantias. Mas essa democracia entrou em processo erosivo em seus pontos cardeais — sem atos institucionais do passado, mas com atitudes e declarações de autoridades políticas e sociais: ataques à imprensa, intimidações ao Judiciário, instrumentalização das Forças Armadas, perseguições políticas, campanhas de desinformação, desmonte de políticas públicas, manipulação religiosa e eleitoral.
Esses ataques não foram apenas retóricos — foram estratégicos, sistemáticos, articulados. E continuam. Agora, sob novas roupagens: chantagens comerciais vindas do exterior, discursos falsamente pacificadores, tentativas de anistia disfarçada e relativização do que é — ou deveria ser — inegociável: a Constituição e a soberania que ela institui e exige seja resguardada.
Aqui não caberá neutralidade. Esta coluna será trincheira. Defenderá o texto constitucional, mas sobretudo seu espírito: a dignidade da pessoa humana, seus direitos fundamentais, a soberania popular, a soberania do País no plano internacional e a independência dos Poderes. Denunciará a naturalização do absurdo (in)jurídico e o cinismo político que tenta fazer parecer normal o que é inaceitável.
Habeas corpus é, antes de tudo, um instrumento de urgência. E a urgência do nosso tempo é esta: libertar a democracia brasileira das mãos de quem nunca acreditou nela por preferir regimes autocráticos, e, sobretudo, de quem sempre a desdenhou, procurando apequená-la ou mesmo anulá-la, objetivando transformá-la em seu contrário: o modelo de ditadura contemporânea, no formato de democracia iliberal, como Viktor Órban a institui na Hungria.
Diante deste ameaçador modelo húngaro, influenciador dos atuais governos extremistas dos EUA e Israel, temos que proteger e cultivar, todos nós, brasileiros“do Brasil”, bem e incansavelmente, nossa resiliente Democracia Constitucional nascida porparto constituinte emancipador em 05 de outubro de 1988.
Desterro, “Ondina” de Cruz e Souza, Ilha e Capital de SC, 28.07.2025, 10h11, manhã de sol.