Um fio invisível liga o disruptivo voto do cidadão Luiz Fux, o comportamento mafioso da Câmara dos Deputados e a perseguição política contra os “insensíveis” ao assassinato de Charlie Kirk.
A 10 de setembro os operadores do direito brasileiros que têm vergonha na cara foram confrontados pelo voto do cidadão Fux em prol da instalação de uma ditadura sangrenta em nosso país.
Não vêm ao caso as muitas especulações sobre quais mesquinhos interesses e pragmáticos cálculos políticos moveram o cidadão Fux. O que importa é ter sido, vale repetir, um voto simpático ao advento de uma ditadura sangrenta em nosso país.
Nos idos do mesmo setembro, a Câmara dos Deputados demonstrou certa proximidade com o que não deve e não pode, ao pretender frankensteinear a Constituição no interesse de seus próprios parlamentáveis. Não bastante, nas mesmas sessões a casa se posicionou contra o Estado Democrático de Direito.
Cuidaram os nobres deputados de garantir que nenhum deles responda a qualquer malfeito, senão perante seus próprios pares, vários deles envolvidos em delitos que vão do tráfico de drogas à apropriação de emendas parlamentares, passando pela canhestra intentona de instalação da mesma ditadura sangrenta em nosso país, a favor da qual votou o cidadão Fux.
Terceiramente, no próximo 21 de setembro, no Arizona, o autocrata pedófilo Trump presidirá não uma república, mas o apoteótico funeral de estado de Charlie Kirk, militante racista-supremacista, misógino e homofóbico, transformado numa espécie de “Gandhi” do fascismo internacional.
Nenhum homicídio é comemorável e quase nenhuma morte é justificável. Todavia, injustificável também é não contextualizar os fatos e deixar de perceber que a idolatria a Charlie Kirk pode vir a ser um passo decisivo para a edificação de uma ditadura sangrenta.
A mídia hegemônica parece ter esquecido que Trump, desde 9 de julho, se empenha em refazer do Brasil submissa ditadura sangrenta, tendo para tal colaboradores do tipo cidadão Fux e Câmara dos Deputados.
“Ditadura sangrenta”, não repetido à altura, é a variante institucional da resolução de desavenças em vias incivilizadas, caminho que liga o cidadão Fux, a Câmara e Trump, três arautos da substituição da política pela força e da admissão da violência como meio legítimo de eliminação do adversário.
No caso do cidadão Fux, obrigado à defesa do monopólio estatal do uso da força porquanto juiz, é mais grave a normalização da tentativa de construção de uma ditadura sangrenta empreendida em seu histriônico discurso de 13 horas.
Para o cidadão Fux, nada mais houve senão uma “mera irresignação com o resultado eleitoral” e “contra os poderes públicos”, rebeldia, pasmem, “pacífica”. Tratou-se apenas de uma “manifestação crítica”, de “bravatas proferidas por agentes políticos contra membros de outros poderes”, de um “desabafo irrefletido de candidatos derrotados”.
Corolário dos eufemismos, todo o planejamento protoditatorial, admitido até pelo presidente do partido a serviço de Trump, o PL, foi fuxiado enquanto “mera preparação ou instigação genérica a uma suposta violência ou grave ameaça futura”.
É necessário reconhecer que a longuíssima diatribe foi, toda ela, tronco e membros sem cabeça, construída e esgrimida muito ao gosto não da ágora e sim da Arena, aquela que era a “Aliança Renovadora Nacional” da ditadura sangrenta de 1964-1985.
A Arena segue vívida sob as várias legendas do hoje Centrão, e seus mais atrozes algozes metamorfosearam-se em “bolsonaristas”. É da Arena quem hoje anistia e dá impunidade aos que ainda pugnam pela restauração da ditadura sangrenta, em benefício de estupradores, corruptos e traficantes. Mostraram-se da Arena, até uma dúzia de filiados ao PT.
Não custa lembrar que na ditadura sangrenta da Arena, ministros e filhos de ministros contrabandeavam diamantes, estupravam e matavam criancinhas, chacinavam e torturavam adversários políticos (incluídos parlamentares) e impunes ficavam, protegidos pelo exato procedimento que agora pretendem restabelecer.
No entanto, para instaurar uma ditadura sangrenta não basta uma Arena. É preciso jogar um cristão aos leões na arena, criar uma comoção social contra um inimigo construído. Hitler somente pode iniciar sua tirania a partir do incêndio do Reichstag, e Trump vislumbra a oportunidade no martírio de Charlie Kirk.
Com pisadas firmes rumo à ditadura sangrenta, o presidente dos estados desunidos já qualifica qualquer movimento antifascista como “terrorismo”, assim refundando a Organizzazione per la Vigilanza e la Repressione dell’Antifascismo, a infame OVRA de Mussolini.
No Brasil, nossa Constituição, ameaçada de deformação pela bandidagem parlamentável, é essencialmente antifascista. Não que isso incomode um Nikolas Chupeta, excêntrico deputado que ouviu o Maga-berrante e de pronto conclamou patrões de todo o país a demitir trabalhadores que tenham brindado à morte de Charlie Kirk.
Consta que certa estilista negra da Vogue Brasil foi já demitida, culpada de ser antifascista. Consta também que o dono da “G4 Educação” se dispôs a vasculhar as redes de seus mais de 400 empregados, na caça a detratores de Charlie Kirk. Segundo esse tal Tallis Gomes, o mártir de Trump foi morto por “debater ideias”.
No mesmo sentido hipócrita e casuísta, colunistas de The New York Times, da Folha de São Paulo e de outros veículos, se apressaram a aderir a Washington na exaltação a Charlie Kirk, pobre vítima que “praticava política exatamente da maneira correta”. Uma inovadora liderança da “juventude conservadora”.
Escreveu-se que “extremismo é louvar assassinato de ativista”; que “a única arma de Kirk era justamente aquela que a democracia não só permite como deixaria de ser democrática se proibisse: a palavra”; e que “a palavra, ao contrário da bala, respeita a humanidade do interlocutor”.
Existem dois equívocos aqui, ambos muitíssimo utilizados pelos fascistas e o primeiro, categorial, é a confusão entre “conservador” e “reacionário”. A distinção é necessária para entender os limites entre política civilizada e violência política.
Em geral, “conservador” é quem pretende manter o estado de coisas desigual, preservar privilégios e evitar mudanças igualitaristas. O conservador pode conjunturalmente aderir a uma ditadura sangrenta, embora o regime autoritário seja para ele uma opção, um meio.
Já o “reacionário” (o nome revela) reage a políticas igualitaristas, centrado na volta a um inexistente passado idealizado, seja o Império Romano do Duce, o Sacro Império Romano-Germânico do Führer, ou a Ditadura de 64 do Mito. Evidentemente nenhum desses paradigmas políticos será democrático.
O reacionário, portanto, é a personificação do retrocesso a uma sociedade hierarquizada, em cujo topo têm assento homens brancos e cristãos, afirmados na opressão a mulheres e crianças e na escravização dos minorizados. Não há nada de compatível com a democracia em um reacionário. A ditadura sangrenta, para ele, é um fim, em si.
O outro erro estupendo dos floridos epitáfios a Charlie Kirk, lançados por quem escreve para agradar à Casa (Grande) Branca, é apenas a outra face da moeda que lê na criminalização da violência verbal uma censura política, um “crime de opinião” e um atentado à “liberdade de expressão”: tomam o meio, uma conversa educada e ponderada, como a legitimação do fim monstruoso.
Assim, ao se afirmar que Charlie Kirk “praticava política exatamente da maneira correta”, negligencia-se na “maneira correta” a sistemática apologia ao racismo, à misoginia, à homofobia, à exclusão social e à proibição absoluta do aborto (ou seja, mesmo em casos de estupro, deformações extremas e grave risco à vida da gestante).
Separar a forma da atuação política de Charlie Kirk, de seu conteúdo reacionário e rigorosamente antidemocrático, é se deixar enganar pela maquiagem sob a qual os fascistas de hoje se apresentam, sejam Zemas, Tarcísios ou a família Bolsonaro. É acreditar no queixume do brutal patriarca, que no 6 de setembro da consagradora facada de Juiz de Fora soltou um “Eu nunca fiz mal a ninguém”.
Bolsonaro, antes da genocida presidência, fez sim muito mal a muita gente, comprovando empiricamente que palavras podem ferir a “humanidade do interlocutor” com extrema eficácia.
Ser o mal, o que sai da boca, é a razão de nosso Código Penal criminalizar a calúnia, a injúria (incluída a racial), a difamação, a apologia a crimes e a incitação à prática.
Há quem sustente o contrário. Para o cidadão Fux não existiria o vínculo entre o “Mein Kampf” de Adolf, apenas palavras, e o Holocausto. Afinal, publicar um livro, independentemente de seu conteúdo, é civilizado como o morno tom de conversa de Charlie Kirk.
Por fim, há uma eloquente explicação para o longuíssimo voto de Fux, demonstrada numa ausência. Em nenhum momento (entenda-se bem: NENHUM) o verborrágico texto menciona que o “Punhal Verde Amarelo” visava as mortes de Lula e Alckmin.
É uma ausência que diz muito sobre o cidadão.