No início da semana, publiquei, junto com minha colega Carla Ferreira, uma bela entrevista que fizemos com Jean-Luc Mélenchon para o ICL (ver aqui: Brasil mostra liderança na resistência a Trump, diz principal líder da esquerda europeia). Mélenchon, principal líder das esquerdas na Europa hoje, ainda é razoavelmente pouco conhecido no Brasil. E principalmente pouco debatido. Esse é o fato que mais nos importa, mesmo se temos nossas posições: a prioridade por uma democracia real – e radical – é que haja o debate de ideias.
Por isso, é importante levar Mélenchon, líder do Movimento da França Insubmissa (LFI), e suas ideias, muitas pioneiras, ao Brasil. Como trazemos muitas ideias do Brasil para cá, não só na política, mas principalmente no mundo cultural e acadêmico, o que é mais a minha praia. Mas a política está em tudo, como alerta Berthold Brecht em seu belo poema, « o analfabeto político ».
Fato é que Mélenchon, na longa entrevista, é a primeira figura de relevância internacional a dizer claramente e abertamente que estava admirado com Lula e com o Brasil – instituições e povo – na resistência ao autoritarismo de Trump. Disse o que também disse o New York Times em artigo publicado há alguns dias (Brazil’s President Lula Voices Frustration With Trump Amid Tariff Battle – The New York Times).
A novidade é que isso não vem da boca de jornalistas e colunistas, mas de um representante político com pretensão de governar, que esteve às portas do segundo turno por duas vezes e articulou a aliança da esquerda que venceu (mas não levou, como disse na minha última coluna: França: um ano depois da derrota da extrema-direita nas eleições parlamentares antecipadas. E agora? – BFC • Brasil Fora da Caverna – Sílvia Capanema) as eleições legislativas antecipadas em 2024, bloqueando a extrema-direita.
Fato é que a ousadia e a originalidade no campo político da esquerda, em grande parte da LFI, sua relação com os movimentos sociais e periferias, nos possibilitam dizer que hoje a esquerda marxista não morreu como morreu na Itália e em outros países. Estão na disputa, ainda que as dificuldades sejam imensas, com um campo midiático dominado por alguns grupos do capital, como demonstram os trabalhos de Julia Cagé.
Fato é que Mélenchon acerta em cheio na resistência em defesa da Palestina, sem ceder depois do horrível atentado de 7 de outubro de 2023. Hoje o mundo todo denuncia o genocidio, a ocupação, os erros. Nesse caminho, Rima Hassan, advogada franco-palestina que estava no Madleen com Greta Thunberg, é hoje deputada europeia e uma voz que conecta a dignidade de um povo massacrado com a juventude. Mélenchon acerta em cheio quando propõe a urgência da transição ecológica como motor da economia e, mais recentemente, quando denuncia a fraqueza dos líderes europeus em visita a Trump.
O que fez a Europa? Nada, só ouviu as exigências de Trump, que se coloca como porta-voz de Putin em troca de contratos bilionários para a indústria bélica norte-americana. Se tivéssemos ouvido Mélenchon, negociações deveriam ter sido feitas há muito tempo, para evitar a guerra. Resultado: hoje, quase 3 anos depois, Trump negocia sozinho com Putin (e Zelensky).
A Europa aceita as condições às quais dizia se opor radicalmente antes. Macron tudo fez para se colocar ao lado de Trump nas fotos, mas não impôs sequer um tema – democratico, humanista, ecológico – ao Presidente dos Estados Unidos. O primeiro deles deveria ter sido o caminho urgente e imediato para o cessar fogo também em Gaza, para a libertação da Palestina, dos reféns e dos prisioneiros políticos, e início de um acordo de paz durável – com dois Estados ou com um Estado binacional, com mediação e proteção internacional.
Os europeus podiam pedir para a Rússia garantias de segurança no espaço europeu e das centrais nucleares, bem como respeito aos direitos humanos e às oposições. Para a Ucrânia, poderiam pedir democracia, eleições presidenciais e legislativas livres, restabelecimento dos sindicatos e dos partidos de oposição.
A Europa aceitou, sem retaliação ou contestação, as tarifas impostas por Trump. Em nenhum momento, pensaram em política de reciprocidade e em independência tecnológica, com substituição de importações. Lembro que, em dado momento, havia uma crítica que acusava a esquerda de ser campista. Mas os verdadeiros campistas são os atuais donos do poder na Europa – neoliberais e extrema-direita. São atlantistas em todas as circunstâncias.
O modelo da diplomacia de Lula, multipolar, ou da França Insubmissa, de não-alinhamento, é nesse sentido bem mais avançado. A bússola deve ser a urgência climática, social, humanitária e pacífica em todos os casos, com povos autônomos e livres. Esse é o papel que esperamos de verdadeiras mulheres e homens de Estado democráticos, mesmo em tempos difíceis. Nós temos o presidente Lula.