Se você ainda não gosta de futebol feminino, tudo bem. Gosto é pessoal, apesar de eu já desconfiar de quem não gosta, tá? Mas talvez seja interessante saber que, até 2030, o esporte deve movimentar mais de 3 bilhões de dólares ao redor do mundo. Isso mesmo: bilhões, com “b” de bola, bilheteria, e de “bem que eu podia ter prestado atenção antes”. O Brasil será sede da próxima Copa do Mundo Feminina em 2027. E a pergunta inevitável é: agora que tem dinheiro, transmissão, estádio, você se sensibiliza?
É curioso como o Brasil, país que se orgulha de ser o “celeiro do futebol mundial”, sempre tratou o futebol feminino como se fosse uma brincadeira lateral – sim, mais um trocadilho, esse assunto mexe com o meu emocional. Entre 1941 e 1979, mulheres eram proibidas por lei de jogar futebol. Literalmente. O decreto-lei 3.199 dizia que esportes “incompatíveis com a natureza feminina” não podiam ser praticados por elas. Não era apenas preconceito. Era legislação. Quando a proibição caiu, não caiu com ela o desprezo estrutural: faltavam campos, clubes, visibilidade e até chuteiras. O talento existia. O respeito, não.
Hoje, a realidade começa a mudar. A Copa de 2023 bateu recordes de audiência. O engajamento nas redes ultrapassou as expectativas da própria FIFA. E, mesmo assim, o Brasileirão feminino de 2025 ainda não tem patrocinador principal. Sim, o país que vai sediar a próxima Copa do Mundo Feminina ainda não consegue vender seu principal campeonato nacional. A pergunta agora não é “por que elas não têm visibilidade?”. A pergunta é: por que continuamos ignorando o que já está funcionando?
O que a FIFA pretende para 2027? Um torneio que renda US$ 1 bilhão em receita, segundo o próprio presidente Gianni Infantino. Ou seja: já é economia, já é audiência, mas sempre foi resistência. Mais do que performance, o futebol feminino está criando um novo jeito de fazer parte da identidade nacional. Ele é coletivo por natureza. Ele quebra o padrão do craque-salvador-da-pátria e apresenta o time como protagonista. E talvez seja exatamente por isso que tanta gente ainda torce o nariz: porque ele não repete o mesmo roteiro. Ele inventa outro.
Enquanto isso, o número de fãs sobe globalmente. A Nielsen, principal empresa internacional de pesquisa de mercado e medição de audiência, estima que a base de torcedores de futebol feminino deve crescer de 500 milhões para mais de 800 milhões até 2030, com 60% desse público sendo mulheres. No Brasil, cerca de 39 % da população demonstra interesse, o que coloca o país entre os mercados mais promissores para marcas e cultura. A torcida do futebol feminino é diferente. Canta com o mesmo entusiasmo, mas com menos ódio. Torcer por um time feminino é torcer por um país que ainda não existe, mas que poderia.
Ainda existe um fosso simbólico. Mulheres brasileiras como Marta, Formiga e Cristiane representaram o país com conquistas e gols, mas mesmo assim precisaram enfrentar a cultura que duvidava delas. Essa invisibilidade institucional tem custo: talento entregue em campo e abstraído pela falta de visibilidade e investimento.
A Copa de 2027 será no Brasil. E o legado de sede vai além dos estádios. O crescimento de audiência, patrocínio e memórias não se materializa só no balanço financeiro. Ele reverbera em pertencimento, na identificação de jovens torcedoras, na narrativa de um Brasil que canta, vibra e se reconhece no campo também sem camisa masculina, sem cargo de “coadjuvante”.
A pergunta que fica é: a gente vai ser só sede ou vai ser parte do espetáculo? Vai continuar tratando o futebol feminino como entretenimento sazonal ou vai enxergar nele uma chance real de resgatar algo que o futebol masculino já perdeu: identidade popular, renovação simbólica, vínculo afetivo com a arquibancada?
E aqui quem escreve é uma torcedora do futebol, da Seleção e de um Brasil que ainda pode aprender a torcer diferente. Provoco, mas porque acredito, viu? Em 2027, o mundo vai olhar pra cá. E o país que sempre viveu de futebol tem a chance de provar que também pode evoluir com ele. Tem jogo. Tem estádio. Tem futuro. Vai, Brasil!
Gabi Sabino, jornalista, gestora pública e mestre em políticas públicas