Há noites em que a cidade parece respirar diferente. Em que a arte atravessa as paredes e se espalha pela rua, transformando o espaço em um grande abraço. Foi assim no último sábado, dentro e fora do Nina — esse bar que há anos reúne a alma progressista, afetiva e criativa de Curitiba. Ali, entre o calor do palco e o frio da Marechal Deodoro, a beleza da rebeldia estética, política e cultural de Maurício Vogue e do Denorex 80 tomou conta do ar, lembrando a todos que a vida, mesmo em seus silêncios mais duros, segue pulsando com cor, ritmo e coragem.
Fiquei profundamente tocado. Ver uma banda de tamanha relevância pra mim homenagear o seu artista tão icônico foi mais que assistir a um show — foi viver um rito coletivo. A cidade parecia em suspensão: cheia de amigos, de referências, de histórias cruzadas no tempo. Estava tudo ali — o riso, o choro, o brilho, o afeto. E, no meio dessa vibração, senti de novo a força que a arte tem de nos religar àquilo que somos juntos: o sentir, o sonhar, o resistir.

O Denorex 80 é mais do que uma banda — é um gesto de resistência que atravessa gerações. Há mais de duas décadas, embaralha fronteiras entre teatro e música, subverte padrões, faz da ironia um grito e da purpurina, política. Em seus shows, a liberdade de um corpo se reflete no outro, e a alegria se torna linguagem de libertação. É um movimento do sentir coletivo — uma pedagogia da coragem.
Maurício Vogue é parte viva dessa história. Com seu carisma inconfundível e sua entrega absoluta, ele nos ensina o valor da arte que não se dobra. Há algo de profundamente humano em sua presença: a serenidade de quem conhece a finitude e, ainda assim, escolhe a vida — com riso, brilho e generosidade. Em Vida Leve, Vida Imensa, o palco se fez espelho da cidade: das drags, músicos, escritores e amigos reunidos num ritual de amor e gratidão. Um gesto que dizia, em cada nota, em cada olhar: a arte não termina, ela se transforma.
