O ministro Luiz Fux conseguiu uma proeza inacreditável no maior julgamento da história brasileira.
A absolvição de Jair Bolsonaro e a condenação de Mauro Cid pelo mesmo crime — abolição violenta do Estado Democrático de Direito — com base na mesma prova (a delação de Cid) parece uma contradição lógica insustentável.
O voto de Fux se apoia em um conceito penal clássico e formalista: para condenar alguém por um crime, é necessário comprovar não apenas que o crime existiu, mas que o acusado teve uma participação consciente e direta, com vontade orientada para o resultado. Ele argumentou que contra Mauro Cid há provas de que ele tinha conhecimento do plano homicida e participou ativamente de ações para viabilizá-lo (como a quebra de sigilo telemático das vítimas). Sua conduta mostrava “ânimo” e adesão ao projeto criminoso, configurando autoria ou participação direta.
Já sobre Jair Bolsonaro, Fux alegou que não há prova direta que o conecte à vontade específica de executar aquele plano. A defesa (e o ministro acolheu isso) argumenta que Bolsonaro poderia estar ciente de um plano golpista genérico, mas não do específico plano Punhal que incluía assassinatos. Sem essa “prova da conexão psicofísica” entre Bolsonaro e o homicídio, Fux entendeu que não se poderia condená-lo por *aquele crime específico*.
Pois Fux, ao defender essa tese, soa como um vestibulando de direito e não um Ministro do STF, ignorando o básico que é a “teoria do domínio do fato”. Segundo esta teoria, o autor intelectual, sobretudo aquele que ocupa o topo de uma organização de poder, não precisa dar a ordem explícita ou saber de cada detalhe. Basta que ele tenha o domínio final do fato, ou seja, que a ação criminosa ocorra dentro de sua esfera de influência, sob seu comando tácito ou explícito, e para beneficiar seus objetivos.
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Sob esta ótica, perguntar “é possível condenar Cid e absolver Bolsonaro?” soa como um absurdo por três motivos:
1. Relação hierárquica: Mauro Cid era um coronel subalterno, o “braço direito”. Toda a sua atuação derivava de sua função de servir e agradar ao presidente. Ele não agia por conta própria; sua influência era um reflexo da influência de Bolsonaro.
2. Lógica das organizações criminosas: é ilógico imaginar que um subalterno arquitetaria um plano tão complexo sem o aval, explícito ou implícito, de seu chefe máximo. Condenar o executor e absolver o mandante é inverter a lógica do poder.
3. O delator é a prova: a delação de Cid foi um dos principais nortes para obtenção de provas. Se sua palavra é suficiente e crível para condená-lo a si próprio e a outros militares, sua insistência na participação de Bolsonaro não pode ser simplesmente descartada por “falta de provas” sem uma análise profunda de sua credibilidade. A absolvição do chefe coloca em cheque a credibilidade da própria testemunha-chave que fundamentou as demais condenações.
A tese de Fux exige uma prova cabal e direta que dificilmente existiria em casos de alto escalão, onde ordens não são dadas por escrito. O Ministro subestima a inteligência do povo e dos próprios colegas de toga.
Seria Cid o verdadeiro chefe da organização criminosa? A resposta óbvia é não. E é exatamente essa obviedade que transforma a decisão de Fux em um veredito politicamente conveniente e covarde.
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