O Laboratório Think Olga estima que as mulheres brasileiras dedicam, em média, 61 horas por semana a tarefas de cuidado não remunerado, como preparar refeições, levar os filhos à escola e cuidar da casa. Esse trabalho sustenta a vida de milhões de famílias, mas só agora começa a ser reconhecido formalmente pela Justiça.
Em uma decisão recente, a 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná reconheceu o cuidado materno como trabalho e o incluiu no cálculo da pensão alimentícia, valorizando a dedicação diária de uma mãe na rotina das filhas.
O caso envolvia duas meninas, de 12 e 6 anos. O pai, que já pagava 30% dos seus rendimentos líquidos em pensão, pediu redução alegando dificuldades financeiras após formar nova família. O tribunal, no entanto, manteve o valor, entendendo que ele tem condições de cumprir a obrigação e que a mãe, estagiária sem emprego formal, contribui intensamente para o bem-estar das crianças.
A presença materna, embora não quantificada financeiramente, representa contribuição efetiva e indispensável à manutenção da vida cotidiana das filhas
argumentou a desembargadora Lenice Bodstein.
A decisão cita as juristas Flávia Piovesan, Melina Girardi Fachin e Sthefany Felipp, que discutem as desigualdades de gênero na divisão do trabalho. Para Melina Fachin, advogada, pós-doutora e professora da Universidade Federal do Paraná, o Tribunal avança ao aplicar uma perspectiva de gênero na análise.
Rompe-se com a ideia de que o cuidado é apenas uma vocação feminina. É trabalho que gera valor social e econômico, mesmo que invisível para as métricas tradicionais do direito
afirma Fachin.
Segundo ela, reconhecer o cuidado como trabalho pode transformar a forma como a Justiça trata casos semelhantes.
Decisões assim tiram o foco da aparente neutralidade do direito e reconhecem as desigualdades estruturais causadas pela divisão sexual do trabalho. Se consolidada, essa jurisprudência pode orientar outras instâncias e influenciar a formação de magistrados e magistradas
disse a advogada.
Quanto custa o cuidado materno?
A economia do cuidado sustenta a vida — e a amamentação é um exemplo disso. O ato de amamentar, que nutre e fortalece o sistema imunológico do bebê, exige tempo, paciência e dedicação da mãe. É um trabalho invisibilizado, que não aparece em contracheques.
Esse cuidado vai além da alimentação: envolve apoio escolar, organização da rotina e atenção constante ao bem-estar físico e emocional das crianças. Esta modalidade de trabalho é contínua e, quase sempre, não remunerada, mas absolutamente essencial para a sociedade.
Em 2020, o Laboratório Think Olga lançou o estudo Economia do Cuidado, que buscou quantificar esse esforço. A pesquisa revelou que, no Brasil, o trabalho de cuidado realizado por mulheres equivale a cerca de 11% do PIB nacional.
Globalmente, o levantamento estimou que o valor econômico do cuidado realizado por mulheres é 24 vezes maior que o do Vale do Silício. Se fosse contabilizado como parte do mercado formal, o cuidado teria o porte do 4º maior PIB do mundo, com um valor anual estimado em US$ 10,4 trilhões.
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