A jornalista Jess Carvalho, integrante da equipe do Brasil Fora da Caverna, recebeu menção honrosa no Prêmio Adelmo Genro Filho de Pesquisa em Jornalismo, concedido pela Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor). A premiação foi realizada nesta quinta-feira (6) na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), no Paraná.
Jess foi reconhecida na categoria Pesquisa Aplicada com o trabalho “Bissexualidade em pauta: Caminhos para práticas jornalísticas”, desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da mesma universidade.

De família humilde, ela conta que, ao receber o prêmio, pensou em toda a sua trajetória profissional.
“Eu fui bolsista na graduação e entrei para a faculdade muito com esse olhar profissionalizante. E isso me afastou da pesquisa um bocado”, conta.
“Eu saí da graduação e fiz uma pós muito mercadológica. Atuei durante uma década exclusivamente no mercado de trabalho, fui repórter, editora, fiz assessoria, passei por agências e só depois disso eu voltei para academia para propor uma reflexão crítica sobre o campo”, complementa.
Segundo a jornalista, isso a amadureceu como pessoa e a fez olhar para quem mais estava produzindo esse tipo de pesquisa. Ela também não esconde a satisfação em conquistar o prêmio.
“Tem pesquisadoras que estão fazendo isso e que trazem reflexões muito ricas, como Fabiana Moraes, Márcia Veiga, que também atuou por muito tempo no terceiro setor. Então, elas são minha inspiração. A Márcia Veiga, inclusive, tem uma dissertação premiada no Adelmo Genro Filho, que me serviu como fonte de pesquisa e eu namorava esse prêmio. Para mim foi uma enorme realização, uma coisa que eu não imaginava que eu fosse capaz de alcançar”, comemora.
Criado em 2004, o Prêmio Adelmo Genro Filho é a mais importante distinção acadêmica da área, voltada a reconhecer a qualidade e relevância das pesquisas em jornalismo realizadas no Brasil. A premiação contempla cinco categorias — Iniciação Científica, Mestrado, Doutorado, Pesquisa Aplicada e Sênior — e tem como objetivo valorizar a produção científica que contribui para a consolidação do jornalismo como campo de conhecimento.
Sobre a pesquisa
A pesquisa que rendeu a menção honrosa à jornalista também deu origem a um importante material de referência para profissionais da comunicação. Trata-se do Guia de Boas Práticas para Coberturas Jornalísticas sobre Bissexualidade, resultado direto de sua dissertação de mestrado na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). O manual reúne recomendações para que comunicadores tratem a pauta da bissexualidade de forma ética, responsável e livre de preconceitos, buscando transformar a maneira como a mídia brasileira retrata essa comunidade.

Jess fala sobre o ponto de partida de sua pesquisa e como sua vivência pessoal influenciou o tema. A jornalista iria, inicialmente, pesquisar sobre violência contra a mulher, mas ao fazer um artigo sobre bissexualidade, descobriu uma lacuna na pesquisa sobre o tema.
“Eu sou uma pessoa bissexual, então eu pesquiso a partir desse lugar. E eu achei que eu poderia ser mais propositiva nesse campo de escassez do que pesquisando violência contra mulher, que é um tema muito pertinente, mas a gente tem outros pesquisadores que se dedicam”, explica.
Durante sua pesquisa, Jess realizou um mapeamento de conteúdos jornalísticos publicados entre 2022 e 2023, a partir de buscas no Google com os termos “bissexuais” e “bissexualidade”. Ao todo, 61 reportagens foram analisadas e classificadas em quatro categorias principais: explicativas, baseadas em pesquisas, centradas em celebridades e ligadas ao entretenimento.
O levantamento revelou que a cobertura jornalística sobre bissexualidade ainda é escassa e concentrada em datas específicas, como o próprio Dia da Visibilidade Bi, além de frequentemente se limitar a explicações superficiais ou à exposição de figuras famosas, deixando de lado temas estruturais como saúde, educação e políticas públicas.
“A cobertura é muito escassa e quando ela é existente, ela parte de um ponto de vista que é um tanto exotificante. É muito comum ver reportagens sobre bissexualidade que se propõem a decodificar essa vivência, como se a gente tivesse que estar o tempo todo explicando por que a gente existe, quem a gente é. De 20 em 20 anos aparece lá uma reportagem num grande veículo falando que bissexualidade é uma tendência para o futuro, como se fosse um modismo. E, na verdade, a bissexualidade é uma identidade sexual legítima que existe há dezenas de anos, inclusive com essa terminologia”, explica.
A jornalista também reflete sobre o papel social do jornalismo e a importância de aproximar a prática profissional da pesquisa acadêmica.
“Eu acredito que o jornalismo tem um papel social muito relevante. O que a gente reporta tem muita força na construção dos discursos e dos olhares sociais para os fatos. Pensar em fazer um jornalismo qualificado para mim é ter espaço para fazer uma elaboração crítica e estar na academia produzindo pesquisa oportuniza isso, porque muitas vezes ali na correria do dia-a-dia, a gente não consegue parar para fazer uma avaliação crítica de tudo que a gente publica”, destaca Jess.
“Fazer essa ponte entre mercado e academia, foi um enorme prazer para mim, um privilégio. E eu agradeço muito também pela oportunidade de ter podido fazer isso numa universidade pública”, acrescenta.
O Guia de Boas Práticas para Coberturas Jornalísticas sobre Bissexualidade está disponível no link.
Bookmark