Em 2025, a multifacetada Fernanda Abreu reafirma-se, mais uma vez, como ótima gestora de sua obra, celebrando os trinta anos de Da Lata, álbum ambicioso e atemporal. A comemoração se materializa em diversos projetos a saber:
– Documentário realizado pela produtora Garota Sangue Bom e coproduzido pela TV Zero, dirigido por Paulo Severo, com roteiro deste e de Fernanda, com bastidores do processo criativo de Da Lata através do impressionante acervo de imagens registradas em foto e vídeo da pré-produção e gravação no Rio de Janeiro, da mixagem em Londres e das apresentações da turnê. Além de entrevistas atuais, analisando conquistas e revelando adversidades que Fernanda teve que à época.
– Relançamento do álbum Da Lata em vinil, suporte físico que, na prática, importa hoje, que será lançado pelo Clube do Vinil, da Universal Music Brasil.
– O hit Garota Sangue Bom, o 3º single do disco, ganha um remix inédito, assinado por Bruna Ferreira e Lívia Lanzoni, DJs e produtoras de São Paulo que formam o duo “From House to Disco”. A faixa, que também terá lançamento pela Universal Music Brasil, chegará às plataformas de streaming no dia 13 de novembro.
– Lançamento do livro Da Lata – 30 anos, editado pela Cobogó e coeditado pela Garota Sangue Bom, reunindo textos de colaboradores, matérias publicadas, fotos conhecidas e inéditas do projeto visual do disco, da turnê e do figurino, além de cartazes e itens da sua memorabília.“Quando quis criar um disco que incorporasse o sentimento brasileiro, surgiu a ideia do batuque da lata. O tamborim e o pandeiro representam o samba como cultura oficial; a lata simboliza o mesmo batuque, porém no universo desigual do Brasil. A lata é a alternativa ao caminho oficial”, declarou Fernanda Abreu, em 17 de novembro de 1995, no jornal O Globo, data em que a turnê de seu mais recente e conceitual trabalho — lançado em julho daquele ano, o álbum Da Lata — chegava ao Rio de Janeiro. Nessa reflexão, Fernanda contextualizava o estágio artístico de seu trabalho, resultado da mistura daquela batucada hipnótica e irresistível com elementos da música pop eletrônica, ponto forte do disco e do show.

Assertivas, as resenhas das apresentações, que já haviam passado por outras regiões do país, foram amplamente positivas: “Fernanda transforma a lata num mito de modernidade”, “O show é explosivamente dançante” e ainda “As letras de A Lata, Veneno da Lata e Brasil é país do suingue celebram a alegria e musicalidade do Rio, projetando isso ao nível nacional”. De fato, as letras das canções, apoiadas na fartura de “grooves”, abordavam questões importantes da ex-capital do Brasil, — mas não apenas dela, apontavam temas pertinentes a outras metrópoles, nacionais e do terceiro mundo, como ilustra um trecho do poema do parceiro Chacal, na faixa “A Lata”.
Meses antes, a crítica especializada já havia elogiado Da Lata pelo seu “sound design”, pelo cruzamento de gêneros musicais e também pelo elenco estelar de parceiros e colaboradores (Felipe Abreu, Herbert Vianna, Hermano Vianna, Fausto Fawcett, Laufer, Chacal, Luiz Stein, DJ Memê, Liminha e Will Womat), além, é claro, de destacar o olhar clínico de Fernanda, exaltando a efervescência cultural suburbana daquele momento. O mote em questão — a lata, este artefato extremamente útil e versátil, feito de metal pouco valioso para alguns, mas indispensável para a sobrevivência de centenas de milhares de pessoas — atravessa o nosso consciente coletivo há décadas, carimbando-o com simbolismos múltiplos, especialmente naquele que chamamos de “Brasil Real”.
Deliberadamente, Fernanda Abreu abordou temas sensíveis, culturais e sociais, sob outros ângulos, ressignificando ideias e situações comumente associadas à miséria, pobreza, carência, precariedade e até à falta de amor-próprio do brasileiro, nomeada “complexo de vira-lata” por Nelson Rodrigues. Assim como a carioca Nara Leão, que abraçou e redimensionou a música do morro, colocando-a nos palcos da zona sul do Rio, Fernanda Abreu tomou para si o batuque reinventado no subúrbio e na favela carioca, promovendo seu diálogo com “samplers”, “drum machines”, “sequencers” e demais avanços da tecnologia de ponta que haviam surgido.
A linha estética do projeto visual na totalidade — capa e encarte do CD, fotos de divulgação, cenário e figurino, resultado do trabalho de uma equipe formada por profissionais de renome – Luiz Stein (cenógrafo e ex-marido de Fernanda), Walter Carvalho (fotógrafo) e Claudia Kopke (figurinista) –, alinhada à sonoridade e à temática das letras, unificaram os conceitos do álbum e do show. A turnê consolidaria, de vez, o status do trabalho da cantora, compositora e “front woman” Fernanda Abreu.
Concebido por ela, produzido por Liminha e Will Womat, do britânico Soul II Soul, “Da Lata” emplacaria quatro singles no rádio, ganharia videoclipes bem produzidos com coreografias da amiga Deborah Colker, receberia o prêmio disco de ouro da ABPD pela venda superior a cem mil cópias e seria lançado no mercado europeu, internacionalizando o trabalho da moça. Lançado pela EMI (hoje Universal Music Brasil), Da Lata ascenderia à nobre categoria de álbum clássico, permanecendo relevante após seu lançamento, transpassando modas e tendências da indústria cultural e tornando-se um autêntico clássico do pop brasileiro, com altíssimo valor de replay.
O amor pela cidade onde nasceu, vive e se identifica plenamente, rendeu-lhe um título que ostenta com orgulho, relatado por ela mesma no documentário Da Lata – 30 anos: “desde 1995 até hoje, qualquer pessoa que vai me apresentar, em qualquer evento, seja uma cerimônia, seja um show, em qualquer lugar, diz: “com vocês, a garota carioca suingue sangue bom – Fernanda Abreu!!!”.
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