O distrito de Uiraponga, em Morada Nova, a cerca de 166 quilômetros de Fortaleza, viveu um êxodo forçado nos últimos meses. O que antes era uma comunidade rural tranquila, com cerca de 300 famílias, tornou-se um cenário deserto após uma disputa entre facções criminosas expulsar praticamente toda a população.
Desde agosto, estima-se que mais de 2 mil moradores tenham deixado suas casas, temendo represálias e ameaças de grupos rivais. O posto de saúde suspendeu o atendimento, o comércio fechou as portas e até a igreja interrompeu as missas por falta de fiéis. O silêncio nas ruas contrasta com o passado recente do vilarejo, que dependia da agricultura e da pecuária para sobreviver.
Um ex-morador de 70 anos, que hoje vive em uma comunidade vizinha, contou que teve de vender seu rebanho às pressas, com medo de ser alvo das facções.
Passei a vida ali. Mas agora não volto mais. É perigoso demais
lamentou.
O conflito começou quando José Witals da Silva Nazário, conhecido como Playboy, rompeu com o grupo Guardiões do Estado (GDE), facção originária do Ceará, e se aliou ao TCP Cangaço, braço do Terceiro Comando Puro, do Rio de Janeiro. A partir daí, iniciou-se uma disputa pelo domínio do tráfico local contra o antigo aliado, Gilberto de Oliveira Cazuza, o Mingau, que permanece foragido.
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Mensagens de intimidação circularam nas redes sociais, e moradores foram obrigados a abandonar suas casas. Um dos episódios mais violentos ocorreu em 3 de julho, quando José Audivan Bezerra de Freitas, de 50 anos, foi assassinado em casa. O corpo foi arrastado e deixado na praça central — um recado cruel usado para espalhar o medo.
A Polícia Civil afirma que Playboy foi preso em São Paulo no fim de julho. Ele já possuía passagens por homicídio e, segundo a Secretaria da Segurança Pública, sua captura fez parte da Operação Regnum Fractus, voltada ao combate de facções na região do Vale do Jaguaribe. Desde então, uma equipe da Força Tática mantém vigilância 24 horas por dia em Uiraponga.
Apesar da presença policial, o retorno das famílias ainda parece distante. De acordo com Jania Perla, pesquisadora do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (UFC), o medo continua a dominar o imaginário dos moradores.
Mesmo com prisões, as rivalidades locais persistem. Essas pessoas se conhecem há décadas, sabem quem são os parentes uns dos outros. Isso dificulta qualquer tentativa de recomeço
explica.
Enquanto o governo do Ceará e a prefeitura de Morada Nova discutem um plano para reativar os serviços públicos e garantir segurança, o cenário permanece de abandono. Casas fechadas, ruas vazias e animais vagando sem rumo são hoje a imagem de um distrito paralisado pela violência.
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