Por João Paulo Mehl
O Projeto de Lei 508/2025, do deputado federal Kim Kataguiri (União-SP), que tenta desviar recursos das políticas culturais para a construção de presídios, não é apenas cruel, é revelador. Em meio à reconstrução do país sob o governo Lula, a extrema direita propõe trocar a liberdade de criar pela arquitetura do encarceramento. Querem substituir a arte por grade, a imaginação por algema, o futuro por concreto.
Porque nada assusta mais o autoritarismo do que a criatividade popular. A arte desafia, ensina, transforma. E por isso é perseguida: porque é indomável.
No artigo que publiquei recentemente com Lenine Guevara, no jornal Brasil de Fato (“O imaginário da rebeldia em disputa política e cultural”), refletimos sobre como o campo simbólico virou território estratégico de disputa. A cultura pop, os sons das periferias, os corpos dançantes e as narrativas populares escapam do controle. Por isso tentam silenciá-los.
Mas a arte não apenas resiste — ela gera. Gera emprego, renda e sentido. Em 2025, a cultura representa 3% do PIB brasileiro, emprega mais de 7,5 milhões de pessoas e devolve R$ 1,60 para cada R$ 1 investido pela Lei Rouanet. Ainda assim, ocupa só 0,51% das renúncias fiscais da União.
Um setor produtivo, democrático e estratégico, que ainda não recebe o tratamento que merece. A Lei Rouanet e o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) não são favores a artistas, mas instrumentos para garantir o direito do povo à produção cultural e a presença do Brasil em sua própria narrativa.
O secretário de Economia Criativa e Fomento Cultural do Ministério da Cultura, Henilton Menezes, expôs bem o dilema: arte ou cela? Qual caminho queremos seguir? Que país queremos ser?
Kim Kataguiri é a expressão de uma geração que prometia renovação, mas se rendeu ao extremismo. Seu projeto revela a indigência intelectual de quem trocou qualquer ideia de Brasil por migalhas de ódio e ignorância.
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Enquanto isso, o governo Lula avança: fortalece o Pronac, amplia editais, implementa o Sistema Nacional de Cultura e consolida a Política Nacional Aldir Blanc, o maior investimento da história na área.
Mas sabemos que nossa soberania também está sob ataque externo. Em julho, Donald Trump impôs tarifas ao Brasil e retaliou o ministro Alexandre de Moraes — um tipo de sanção à nossa autonomia institucional.
Ao mesmo tempo, big techs e plataformas de streaming tentam dominar o mercado cultural, apagando nossa produção com algoritmos e narrativas importadas. Essas corporações pressionam o Congresso e tentam capturar o Judiciário com lobbies milionários para evitar qualquer forma de regulação..
E é nesse contexto que a regulação proposta pelo governo se afirma como defesa estratégica da soberania cultural. Já figuras como Kataguiri, em vez de proteger o país, atuam como vassalos desse projeto neocolonial que pretende nos manter obedientes, silenciosos e sem imaginação.
Não passarão.
Enquanto houver um tambor na favela, um grupo de teatro numa praça ou uma roda de leitura num quilombo, o Brasil seguirá se recriando por sua própria gente. Não se trata só de arte. Trata-se de identidade, memória, futuro e autonomia.
Sabemos o que está em jogo. Defender a cultura é sustentar um pacto com a justiça, a dignidade e a soberania. Não há país livre onde a arte é silenciada. Nem povo soberano que não possa narrar a si mesmo.
BookmarkJoão Paulo Mehl é coordenador de Projetos do Laboratório de Cultura Digital da UFPR e coordenador de Relações Institucionais do Coletivo Soylocoporti, que lidera o Programa Nacional dos Comitês de Cultura no Paraná. Fez parte da articulação dos Pontos de Cultura e também das Conferências Nacionais de Cultura e Comunicação, ainda nos dois primeiros mandatos do presidente Lula. É gestor do Terraço Verde, referência na produção de soluções urbanas sustentáveis em Curitiba, e idealizador do Propulsão Cultural, iniciativa que assessora artistas e produtores na elaboração de projetos e na obtenção de financiamento por meio de editais.