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25 de Julho: da liderança de Tereza de Benguela à luta das mulheres negras e quilombolas

Tereza de Benguela estruturou um sistema de autogestão, criou uma espécie de parlamento e liderou estratégias de defesa e produção. (Imagem: divulgação)

Reportagem: Maria Coelho

Nesta sexta-feira (25), é celebrado o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, instituído pela Lei n. 12.987/2014 em 2014. A data foi inspirada no Dia da Mulher Afro-Latina-Americana e Caribenha, criado em julho de 1992, na República Dominicana.

Mas quem foi ela e por que sua história é tão significativa?

Por séculos, a história de Benguela permaneceu invisibilizada nos livros didáticos e nas instituições. Líder quilombola, Tereza comandou durante quase duas décadas o Quilombo do Piolho, também conhecido como Quilombo do Quariterê, na região do Vale do Guaporé, no atual estado do Mato Grosso, fronteira com a Bolívia.

Foi à frente dessa comunidade formada por pessoas negras e indígenas que ela estruturou um sistema de autogestão, criou uma espécie de parlamento e liderou estratégias de defesa e produção. Sob sua liderança, o quilombo floresceu, resistiu e sobreviveu até ser violentamente atacado por forças coloniais em 1770.

Rosa Negra, da coordenação do Coletivo Terra, Raça e Classe do MST destaca que historicamente, o povo preto, sobretudo as mulheres, foram colocados em um papel de passividade.

E aí ela chega e representa esse modelo ancestral de liderança negra, né?

afirma.

Tem uma coisa na nos processos históricos de dizer que a mulher, ela é liderança depois que o companheiro morre, mas ela já tinha um protagonismo antes, mesmo antes da morte dele 

disse.

Entretanto, a importância de Benguela fica evidente, sobretudo para as lideranças atuais.

Você tem um referencial teórico e político, né? Isso alimenta muito a perspectiva de superar a lógica do estereótipo da passividade. É um processo de superar os estereótipos e de encontrar mulheres negras ao longo de nossa história comandando o processo de resistência

comentou.

Estrutura de poder popular

Segundo registros da época, o quilombo abrigava mais de cem pessoas, entre negras e indígenas. Lá, cultivava-se algodão, mandioca, milho e outras culturas. Os tecidos eram produzidos em teares próprios e comercializados fora da comunidade. Também havia um elaborado sistema de defesa com armas trocadas com brancos ou obtidas em vilas próximas. Armas e ferramentas de ferro apreendidas nas ofensivas eram reaproveitadas pela comunidade como instrumentos de trabalho.

Essa estrutura não era apenas uma alternativa à escravização, mas uma forma concreta de poder popular.

Durante muito tempo a gente estudava os quilombos apenas como refúgio. Hoje em dia, por causa da possibilidade que a gente tem de ler Beatriz Nascimento, Clóvis Moura, e tantos outros, a gente tem entendido os quilombos como não um espaço de só de fuga, né? Mas é um território de resistência em que as comunidades tinham todo um processo de organização. Eles tinham essa estratégia de autogestão

declarou.

Segundo Rosa, essa organização se dava em frentes como a agricultura e segurança, por exemplo, o que fortaleceu a coletividade do quilombo.

O grupo de estudos do MST que Rosa coordena, chamado Terra, Raça e Classe, tem se aprofundado na questão agrária, nos debates sobre resistência e sobre a luta etnico-racial por terra. A coordenadora ainda celebra o legado deixado por Tereza de Benguela:

A partir da resistência quilombola que ela traz para a gente e de como que você percebe a terra, é total vinculado o debate da concentração de terra, o racismo estrutural incide na desigualdade alarmante que a gente tem no nosso país. Porque quando tem a abolição da escravatura não tem uma política pública. A gente aprende esse legado de que a resistência é a partir da terra, mas ela também é uma resistência anti-racista

disse.

Revisionismo histórico

Rosa afirma que ainda é preciso avançar na abordagem do tema, mas ela cita as leis 10.639/2003 e 11.645/2008, marcos legais importantes no Brasil que tornam obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, tanto públicos quanto privados. A Lei 10.639/2003 altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para incluir o ensino sobre a história e cultura afro-brasileira e africana, enquanto a Lei 11.645/2008 amplia essa obrigatoriedade para também incluir a história e cultura dos povos indígenas. 

Precisamos repensar, fazer um revisionismo histórico de como vemos as populações indígenas e negras na história. Nossos professores têm avançado muito por força das cotas que também são resultado da luta do movimento negro. Então, você tem um povo negro e indígena chegando nas universidades. é por causa da resistência do nosso povo que chegou lá

afirmou.

Ela ainda cobra incentivos em outras formas de mídias como cinema, tv, literatura.

É esse reconhecimento institucional da memória negra

declara.

Você precisa ter museus, ter currículos, ter política pública, todas com esse viés para poder, quem sabe as gerações futuras terem uma outra perspectiva com relação a sua identidade, a sua história e a resistência do seu povo 

acrescenta.

Rosa Negra destaca que, mesmo após o fim da escravidão, as mulheres negras continuaram sendo empurradas para trabalhos precários, como o trabalho doméstico, e seguem na base da pirâmide social brasileira. Ela reforça que a luta atual não é apenas por representatividade em profissões de prestígio, mas também pelas mulheres que ainda vivem em condições de exploração e violência, como as trabalhadoras domésticas e a população de rua.

Para ela, figuras como Tereza de Benguela inspiram resistência nos territórios, nas periferias e nos movimentos como a reforma agrária. Mesmo com avanços nos debates sobre feminismo, raça e diversidade, os dados mostram que a violência contra mulheres negras persiste. Rosa enfatiza a importância de unir o debate sobre identidade à luta política, transformando dor em força coletiva para resistir e construir uma sociedade mais justa.

Mulheres negras na linha de frente na luta por liberdade, por terra, por direito e dignidade

conclui.
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