A influenciadora bolsonarista Camila Abdo, nome associado a campanhas de desinformação sobre vacinas e ataques antidemocráticos, tentou transformar o vestibular da Fuvest em mais uma peça de seu repertório de mentiras fabricadas. Em um episódio que expõe a metodologia neofascista de falsificação da realidade, ela afirmou publicamente que sua filha havia obtido 75 pontos no vestibular – acima do corte de 66 para Direito na USP – mas teria sido “injustiçada” pelo sistema de cotas raciais e para estudantes de escola pública. Só que durante checagem de fatos, foi possível comprovar que a nota oficial da adolescente foi 48 de 90.
A narrativa, imediatamente ecoada por redes bolsonaristas como “prova” da “injustiça das cotas”, seguiu o roteiro clássico do movimento neofascista brasileiro: criar um caso emocional falso, atribuí-lo a políticas de reparação histórica, e usá-lo para alimentar o ressentimento racial e o ataque às instituições. O alvo, como sempre, eram as políticas de ação afirmativa, pilar fundamental na luta contra o racismo estrutural no Brasil.
Qualquer pessoa com conhecimento mínimo do funcionamento da Fuvest sabe: candidatos com pontuação acima do corte são automaticamente convocados para a segunda fase. A única exceção ocorre em caso de nota zero em alguma prova . A alegação de que as cotas “impediram” a classificação era, portanto, tecnicamente impossível.
Após horas de viralização da fake news, Camila Abdo foi obrigada a admitir a fraude: “Era impossível ela ter feito 75/90 e não ter entrado. Tem como ver a nota e ela não entrou mesmo e mentiu. Minha filha disse que não tinha como ver pelo sistema. Peço desculpas. Estou envergonhada.” A suposta “injustiça” se revelou, assim, uma mentira doméstica transformada em arma política.

O caso não é isolado – é sintomático. A mentira compulsiva, a fabricação de narrativas vitimistas e o ataque a políticas reparatórias são pilares do neofascismo brasileiro, que opera através de:
- Falsificação emocional: criar histórias pessoais falsas para gerar comoção e ódio dirigido;
- Ataque a políticas igualitárias: voltar o ressentimento contra cotas, políticas de gênero e direitos humanos;
- Descredibilização institucional: apresentar instituições como a USP e sistemas de seleção como “corrompidos”;
- Rede de amplificação da mentira: uso de influenciadores e veículos alinhados para viralizar falsidades.
Camila Abdo emergiu em 2020 como voz negacionista da Covid-19, chegando a convocar atos antidemocráticos durante a pandemia – ironicamente, sua avó faleceu vítima do vírus pouco depois.
Durante o governo Bolsonaro, comandou o canal “Direto aos Fatos”, dedicado à defesa do ex-presidente e à disseminação de narrativas golpistas. O canal foi alvo de operação da Polícia Federal que investigava ações antidemocráticas envolvendo figuras como Daniel Silveira e Allan dos Santos.
Seu perfil é um catálogo do repertório neofascista: desde o ataque a vacinas infantis até a defesa de criminosos condenados por ataques à democracia. A tentativa de fraudar o debate sobre cotas raciais segue a mesma lógica: transformar o ódio racial em combustível político, mesmo que para isso seja necessário sacrificar a verdade e a própria família no altar da narrativa.
O episódio escancara como o bolsonarismo – expressão contemporânea do neofascismo brasileiro – opera através da corrosão sistemática da verdade. As cotas raciais, conquista histórica do movimento negro, seguem sendo alvo preferencial porque representam uma afronta à hierarquia racial que o projeto neofascista busca restaurar. A mentira, neste contexto, não é um acidente – é o método. E a admissão de Camila Abdo não representa arrependimento, mas o reconhecimento tático de que algumas fraudes são simplesmente grandes demais para serem sustentadas, mesmo em uma era de pós-verdade.
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