Há momentos em que o mundo inteiro volta o olhar para um mesmo horizonte. A COP30 é um desses instantes — quando a humanidade, reunida em torno de uma mesma urgência, tenta decifrar o seu próprio futuro. Mas, enquanto as decisões se concentram nos grandes palcos internacionais, é nos territórios que as transformações mais profundas acontecem. É nas comunidades, nas periferias e nas florestas que a sustentabilidade se materializa como cultura viva — e é também nesses lugares que o Brasil tem algo a ensinar ao mundo.
Há algo profundamente revelador quando compreendemos que a floresta não é apenas natureza, mas também cultura. O que hoje chamamos de “meio ambiente” foi, por milênios, tecido com as mãos e os saberes dos povos que aqui habitam. A Amazônia, longe de ser uma natureza intocada, é uma floresta cultivada por ancestralidades que transformaram solos, plantaram diversidade e moldaram ecossistemas sustentáveis muito antes da palavra “sustentabilidade” existir.
Esse reconhecimento muda tudo: desloca o olhar técnico para um olhar cultural, simbólico e político. Entender que nossas florestas são também obra humana é reencontrar o elo entre identidade e planeta — um reencontro urgente diante da crise climática que vivemos.
As soluções baseadas na natureza que venho experimentando — seja no movimento Urgente Contra Enchente, ou no nosso mais novo desafio com o Periferias Verdes Resilientes — partem exatamente desse princípio: cuidar do território é cuidar da cultura. Não existe árvore sem comunidade, nem cisterna sem diálogo. As tecnologias sociais só ganham força quando se enraízam nas histórias, nas linguagens e nos modos de vida das pessoas.
Por isso, a sustentabilidade verdadeira não é apenas técnica: ela é cultural. É o saber de plantar e o saber de viver. É o mutirão, a roda de conversa, o saber compartilhado entre gerações, onde a natureza deixa de ser cenário e volta a ser parte da nossa casa.

O Terraço Verde nasceu dessa mesma intuição: de que o urbano precisa reaprender com o natural. Aqui, em pleno centro de Curitiba, criamos um laboratório vivo de tecnologias socioambientais e convivência comunitária. Compostagem, captação de água da chuva, horta agroecológica — tudo isso é tecnologia, mas também pedagogia.
Cada planta e cada gesto são parte de uma educação ambiental que não se dá apenas nas escolas, mas na vida cotidiana, nas cidades, nas relações. É o urbano reencontrando o natural, o humano reencontrando o coletivo.
A cultura, nesse contexto, é a argamassa que integra. É o que conecta saberes, transforma práticas em narrativas e experiências em identidade. Por isso, precisamos afirmar a cultura como eixo estruturante das políticas ambientais. Não se trata apenas de pintar murais verdes, mas de compreender que as linguagens artísticas, os rituais, as celebrações e as memórias são ferramentas de transformação ecológica. Uma política pública integradora só será efetiva se compreender que meio ambiente e cultura não são setores distintos — são dimensões inseparáveis do mesmo projeto civilizatório.

O momento que vivemos é decisivo. Se por um lado temos este desafio imenso de buscar convergências globais na COP30, também estamos imersos em dois encontros fundamentais: o Encontro Nacional de Comunicadores Populares e o Encontro do Programa Nacional dos Comitês de Cultura. Em ambos, a pauta é territorial.
São espaços onde agentes territoriais, coletivos culturais, comunidades e gestores se reúnem para pensar o país a partir de suas bases. É nesse cruzamento entre o global e o local, entre o técnico e o simbólico, que me jogo de corpo e alma para contribuir: ajudando a construir convergências, produzir sínteses criativas e transformar as pontas soltas das políticas públicas em redes vivas de cooperação.
É dessa escuta e dessa prática que surge a ideia das Centrais de Convergência Cultural (CCC) — um conceito em elaboração que nasce do desejo de reunir políticas, práticas e pessoas em torno de um mesmo ponto de conexão: o bem viver com a eficiência das Políticas Públicas.
As CCC não são apenas estruturas burocráticas, mas campos de encontro entre saberes, entre o institucional e o popular, entre a ancestralidade e a inovação. Um convite para que o Estado e a sociedade aprendam, juntos, a funcionar como um ecossistema.
Este é o primeiro texto de uma série de quatro artigos que vou publicar ao longo das próximas semanas, em diálogo com os processos que o Brasil vive — da COP30 às redes dos agentes territoriais e comitês de cultura. O que proponho é olhar a sustentabilidade como um campo de cultura, onde cada árvore, cada canteiro e cada horta comunitária são também atos políticos e poéticos: a afirmação de que queremos permanecer neste planeta de forma digna, solidária e criativa. A sustentabilidade não é um destino. É uma cultura. E é tempo de cultivá-la juntos.
João Paulo Mehl
