Nascido em Uauá, no sertão da Bahia, e criado entre Sapopemba e Santo André, na periferia de São Paulo, Thiagson se tornou um dos principais estudiosos do funk no Brasil. Como pesquisador, ele levou para a academia uma das manifestações culturais mais potentes do país — e que as elites insistem em tratar como ruído.
Foram dez anos de formação em música, entre a Fundação das Artes de São Caetano do Sul e o curso de Composição da Unesp, até compreender que o ensino musical brasileiro, nas suas palavras, “é um curso da música do homem branco europeu”.
“Eu cresci ouvindo Frank Aguiar, Racionais, Mamonas Assassinas. Quando cheguei na faculdade, descobri que nada disso era considerado música”, conta.
Filho de um operário da Volkswagen e militante das greves do ABC, Thiagson aprendeu com o pai o valor da leitura e da educação pública. Mas foi também com ele que descobriu as contradições de uma esquerda que, mesmo bem-intencionada, ainda olha torto para o que vem das favelas.
“Meu pai era um cara politizado, mas não gostava de funk. É a dificuldade que a esquerda tem de aceitar o que vem da cultura popular, sobretudo quando fala de sexo e prazer — temas que ainda são tabus.”
Essa tensão atravessa toda a sua trajetória. Quando chegou à universidade pública, encontrou um ambiente que o fez duvidar de si. “Quando eu estava ali profundamente envolvido com a música clássica, eu tinha vergonha da minha origem. Vergonha de ser periférico”, lamenta. Nesse espaço onde erudição era sinônimo de inteligência, falar de funk era heresia.
“Os músicos eram os mais despolitizados de todos. Você via debates feministas, por exemplo, em cursos como Artes Visuais e Teatro, mas em Música ninguém queria saber disso.”
Ainda na graduação, ele decidiu transformar o incômodo em arma de combate. Começou a produzir vídeos misturando humor, crítica e música — uma forma de continuar pensando o que a universidade não permitia. A repercussão veio rápido. Em um congresso da Unesp, sua análise do funk Oxanaína viralizou e foi parar em páginas da extrema direita.
“Diziam que era por isso que a universidade pública deveria perder verba”, lembra. “Eu pensei: se viralizou, tem potência aqui.”
Desde então, Thiagson se tornou uma espécie de corregedor da academia — alguém que usa o funk para investigar o que ela não quer ver. No mestrado e no doutorado, o gênero virou objeto de estudo e espelho. “Levar o funk para dentro da universidade é levar a periferia. E isso traz conflito. A universidade se vê ali, e o que ela vê é o racismo, o moralismo, o elitismo.”
“Eu aprendi que o funk não precisa da universidade pra existir. Mas a universidade precisa do funk pra continuar relevante”, acrescenta.
Enquanto escrevia sua tese, que será publicada em livro pela editora Matrix, o pesquisador enfrentava outro dilema: o de ser um doutor desempregado, como tantos outros brasileiros. “A USP me tirou a vontade de estudar. Mas as redes sociais devolveram”, ele diz. É ali, nos vídeos, que encontra o que chama de sentido de utilidade.
“As pessoas querem a minha opinião, e isso me faz estudar o dia inteiro. Eu só quero trabalhar, poder viver do que sei fazer”, sintetiza.
CPI dos Pancadões
Nas últimas semanas, Thiagson furou a bolha. Convidado a depor na CPI dos Pancadões, na Câmara Municipal de São Paulo, levou ao plenário o pensamento crítico que move seu trabalho.
“O problema não é o som alto, é o corpo preto dançando onde a cidade acha que ele não devia estar”, fala.

Ao lado de advogados e MCs, ele desmontou o discurso moralista que tenta transformar o funk em caso de polícia. “As pessoas só me ouviram porque eu estava com gente de terno numa CPI. O que eu disse ali, eu digo há anos”, observa.
A fala, registrada em vídeos que se espalharam pelas redes, foi recebida com entusiasmo por artistas e pesquisadores. “Os MCs me escrevem dizendo: ‘Pô, eu preciso de você nesse debate’. Eles lutam com a arte, eu luto com o verbo. A gente se complementa.”
Mas a exposição também tem custo.
“Já recebi ameaça de morte. Quando isso aconteceu, pensei: eu devo ser muito importante pra alguém querer me matar”, ri.
Ao enfrentar vereadores que queriam transformar o baile em caso de polícia, Thiagson mostrou que o debate sobre o funk é muito maior que o barulho dos pancadões. É sobre quem pode ocupar a cidade, falar, dançar — e existir.
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