Durante sua apresentação no Festival do Camarão, em Porto Belo (SC), na última segunda-feira (13), o cantor Zezé Di Camargo fez mais do que um simples gesto no palco. Em evento patrocinado com dinheiro público, o cantor recebeu de um fã e ostentou publicamente uma camiseta com os dizeres “Anistia já, presos 8 de Janeiro”.
Segundo levantamento do BFC, o gasto da prefeitura foi de R$ 1.760.500,00. e o cachê do cantor chega a R$ 450 mil .
Enquanto recebe dinheiro público, o cantor explicita um alinhamento político que vai além de uma opinião isolada, inserindo-se em um movimento perceptível dentro de uma parcela do universo sertanejo. O episódio serve como um capítulo recente de uma relação entre artistas do gênero e pautas da extrema-direita brasileira.
A exibição da camiseta, que defende a causa dos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, foi recebida com aplausos e gritos de apoio pela plateia, indicando a sintonia do artista com useu público. Obviamente, os mesmos críticos de Roger Waters e cia, que abominam manifestações políticas em shows, se deleitaram com o sertanejo apoiando o golpismo.
O Sertanejo como Campo Político
A cena protagonizada por Zezé não é um caso isolado. Ela reflete um fenômeno mais amplo, no qual nomes de expressivo alcance no sertanejo têm se associado, com diferentes graus de intensidade, a narrativas e movimentos de extrema-direita. Durante o mandato do agora inelegível Jair Bolsonaro, houve encontros de duplas sertanejas com o mandatário para deixarem clara sua posição, ainda que diante de milhares de mortos da pandemia de Covid.
A utilização de palcos para gestos de apoio a figuras e causas políticas específicas, como o uso de bandeiras nacionais em contextos partidários, a defesa do armamentismo e, mais recentemente, a campanha pela anistia aos presos de 8 de janeiro contrasta com o discurso supostamente anticorrupção que eles propagam. Os mesmos que recebem milhares de reais em dinheiro público para fazer shows e criticam a Lei Rouanet.
É claro que esses artistas percebem que seu público-base, frequentemente localizado no interior do país e identificado com valores conservadores, responde de forma positiva a esse posicionamento, consolidando uma ligação que vai além da música. A música sertaneja abandonou as denúncias sobre as agruras do trabalhador do campo para abraçar um discurso agronejo neoliberal vazio, ostentando uma vida que só pertence a pouquíssimos felizardos
A extrema-direita soube capitalizar o enorme capital de influência desses cantores, vendo neles vetores eficazes para a disseminação de suas ideias. Em contrapartida, alguns artistas encontram nesse alinhamento uma forma de fortalecer sua imagem como “defensores da pátria” e “contrários ao politicamente correto”. Afinal, é um estilo que se consagrou por surfar em tendências.
O que o Zezé fez é só um fragmento de um sintoma que atingiu em cheio a cultura popular, que oferece ídolos alienados e alienantes. Como braço do agro, o sertanejo é há muitos anos um dos gêneros mais lucrativos e amados do país, uma arma poderosa no campo de batalha político em que a extrema-direita tem ganhado de lavada.
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