Brasil, maio de 2021. Corria o quinto mês do terceiro ano do mandato de Jair Bolsonaro na Presidência da República. O País acumulava mais de 460 mil mortos pela COVID-19 e a pandemia era agravada por um governo negacionista, que questionava as vacinas enquanto recomendava remédios ineficazes e sabotava as medidas sanitárias de distanciamento social.
É neste cenário que a banda de rock alternativo Lupe de Lupe, do interior de Minas Gerais, lançou seu quinto álbum, com um título que desafiava o ambiente adverso para quem teimava em manter a esperança de que o Brasil pudesse voltar a ter esperança no futuro: “Lula”.
Vitor Brauer (voz/guitarra/bateria), Jonathan Tadeu (voz/guitarra), Renan Benini (voz e baixo) e Gustavo Scholz (voz/guitarra) tinham como ideia inicial que cada faixa do disco tivesse o nome de uma cidade brasileira, fazendo assim uma homenagem aos caminhos percorridos corajosamente por esse grupo, que surgiu em 2011, e já havia na época realizado mais de uma dezena de turnês por todos os cantos do País.
(Era) como se fosse uma volta no Brasil, nos ritmos e culturas e tudo mais. A gente já rodou muito
conta Vitor Brauer.
Cada canção teria um ritmo relacionado à cidade em questão: Fortaleza (baião), Natal (forró), e assim por diante. Mas diante da conjuntura histórica e social delicada com o crescimento da polarização e da violência política, a banda acabou decidindo por colocar no título do trabalho o nome do então ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Inspiração no cinema
A inspiração, segundo Vitor, veio do documentário “Entreatos”, do cineasta João Moreira Salles, sobre os bastidores da campanha presidencial de 2002. Em um dos momentos do filme, Lula fala que seu maior medo era de que “a máquina” corrompesse seu movimento político.
Esse áudio está até no disco. Acho que o Lula é a representação do que é o Brasil com os seus pontos positivos e negativos
explica o músico.
Mesmo tendo críticas à esquerda, Vitor diz que a Lupe de Lupe se identifica naturalmente com esse campo político, e sempre buscou refletir nas letras de suas canções a sociedade e a realidade em que vivem, evitando ser panfletária ou, nas palavras dele, “chata”.
A gente já teve várias músicas (assim). Quando a Dilma tinha acabado de sofrer impeachment, a gente lançou uma música: ‘O Brasil Quer Mais’, que também fala sobre isso. Sobre como a raça humana não sabe lidar com coisas boas
diz.
De acordo com o vocalista, o lançamento de “Lula” não chegou a despertar grandes reações negativas do público da banda, já que a maioria também tende a ser de esquerda.
Acho que o que mais deu bafafá foi uma galera que já não gostava da banda e utilizou disso para metralhar mais
brinca.
Segundo Vitor, não foi intenção da banda “doutrinar” ninguém. Até porque falar somente de política seria cansativo e desgastante. Mas ele defende que os artistas tenham posicionamentos claros, que se reflitam em seu trabalho.
Eu acho que é necessário falar. Tem banda que fala (de política) nas letras das músicas, às vezes é muito panfletária. E aí dá preguiça. Então, a gente tenta meio que colocar o nome do disco ‘Lula’ já é uma representação por si só
afirma.
Para o músico, “roqueiro de direita” conservador é uma contradição mais do que óbvia.
É uma hipocrisia. O rock já nasceu, lá com Chuck Berry, como uma coisa disruptiva e teve várias ondas disruptivas
considera.
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A arte desafiadora faz a gente pensar, refletir. Faz as pessoas melhores
avalia.
Guia para bandas independentes

Apesar de ser desconhecida pelo “mainstream”, a Lupe de Lupe é uma da bandas independentes brasileiras mais ativas e tem uma base de público consolidada. Em 2021, época do lançamento de “Lula”, pude constatar isso pessoalmente em um show em Curitiba, que lotou a casa noturna John Bull Hall, e no qual o público presente cantava praticamente todas as músicas junto com o grupo.
Além disso, Vitor tomou a iniciativa de publicar no site oficial da Lupe de Lupe, extensos diários das turnês constantes da banda, detalhando quanto cada show rendeu em dinheiro, quais foram os gastos, perrengues e outras informações que, geralmente, os artistas guardam para si. O trabalho é um verdadeiro “guia” de como manter uma banda independente em um cenário de grande concorrência e pouco interesse da mídia em novos artistas.
Eu acho que os artistas não compartilham por medo das críticas. A gente começou com a ideia de: ‘gente, dá para fazer’. É só existir essa rede, como que faz para criar essa rede. De mostrar para as bandas que é possível fazer turnê independente, ganhar dinheiro e só com música
afirma.
Vitor é o único da banda que se sustenta exclusivamente de sua arte, lançando também discos solo e fazendo produções diversas. Atualmente, tem feito uma espécie de “residência artística”, na qual pretende, até 2032, passar por todas as capitais brasileiras, permanecendo em cada cidade por três meses e gravando em cada uma delas um álbum de músicas inéditas.
Outra característica curiosa da Lupe de Lupe é que a banda não tem redes sociais.
É só o site e os nossos Instagrams pessoais. A banda não tem nenhuma rede social
confirma.
Segundo Vitor, a decisão de não ter redes sociais foi uma opção para ficar livre de uma das partes “chatas” de se ter uma banda
Um dos segredos de continuar a banda muito tempo é você não fazer as coisas que você acha muito chatas. E uma das coisas mais chatas é esse trabalho que não tem nada a ver com música. Ficar criando rede social, post, conteúdo. É só uma coisa que você tem que fazer porque é isso que demanda o mercado
completa.
Conheça mais da Lupe de Lupe:
Site oficial: https://lupe-de-lupe.weebly.com
Ouça abaixo o álbum “Lula”:
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