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Pompidou chega à América Latina e transforma Foz do Iguaçu em polo global de arte e cultura

A imagem mostra o projeto arquitetônico do Pompidou Paraná
Projeto arquitetônico do Pompidou Paraná. Foto: SEEC/Divulgação.

Foz do Iguaçu será palco de um dos projetos culturais mais ambiciosos da história recente do Brasil: a instalação da primeira unidade do Centro Georges Pompidou na América Latina. O anúncio, feito pelo Governo do Paraná, marca a consolidação de uma parceria com a instituição francesa, considerada referência mundial em arte moderna e contemporânea.

Inaugurado em 1977, em Paris, o Centro Pompidou revolucionou a forma de pensar os museus. Com sua arquitetura ousada e sua proposta de unir artes visuais, design, fotografia, cinema, literatura e música em um mesmo espaço, tornou-se um dos ícones culturais mais visitados da França. Seu acervo reúne mais de 120 mil obras e abriga nomes fundamentais da história da arte, como Picasso, Kandinsky, Miró, Duchamp e tantos outros.

Ao longo das últimas décadas, o Pompidou expandiu sua presença para além da capital francesa, com unidades em Metz (França), Málaga (Espanha), Bruxelas (Bélgica), Xangai (China) e outras cidades. Agora, a chegada à América Latina, em Foz do Iguaçu, confirma a vocação global da instituição e reforça o papel do Brasil como ator central no diálogo cultural contemporâneo.

A secretária estadual da Cultura, Luciana Casagrande Pereira, conta que a escolha pelo Pompidou se deu não só pela sua importância como museu, mas como um centro cultural.

“Pensei em várias instituições importantes no mundo e a opção pelo Pompidou foi porque mais do que um museu, ele é um centro cultural. É indiscutível a importância dele enquanto museu, porque ele possui o principal acervo de arte moderna e contemporânea da Europa, mas ele também trabalha com outras linguagens”, disse.

A secretária explicou que a parceria entre o Centro Pompidou e o Governo do Estado foi fruto de um processo longo e cuidadoso, iniciado em 2020, em plena pandemia. As primeiras conversas aconteceram de forma online.

“Foi um longo processo. Eu bati na porta deles em 2020. ‘Oi, vocês querem trazer o museu para o Brasil? Não, não é Rio e São Paulo, é Paraná. Não, não é Curitiba, é Foz do Iguaçu’. Eles não podiam nem vir para cá, porque era pandemia. As reuniões eram online e elas eram muito impessoais. No começo nós tivemos várias fases da negociação, tivemos uma espécie de uma consultoria, depois passou para uma parceria até chegar no momento atual, que é a confirmação de que nós teremos um Centro Pompidou do Paraná”, disse.

“Foi um longo namoro para poder chegar a esse casamento. Desde o início, eu deixei claro que queria isso, mas nós tivemos que ter paciência até conquistarmos a confiança deles, porque é um nome que eles construíram ao longo de décadas e tem preocupação de colocar na mão de qualquer parceiro”, acrescentou.

A oficialização da parceria ocorreu recentemente, com a visita do presidente do Centro Pompidou, Laurent Le Bon, ao Paraná.

Projeto arquitetônico

Foto: SEEC/Divulgação.

O edifício que abrigará o museu será assinado pelo arquiteto paraguaio Solano Benítez, vencedor do Leão de Ouro na Bienal de Arquitetura de Veneza de 2016. Conhecido por valorizar materiais locais e soluções de baixo custo, Benítez promete conciliar sofisticação arquitetônica e sustentabilidade.

Segundo Casagrande, desde o início havia a intenção de que a arquitetura tivesse protagonismo na construção do museu, com a participação de um nome de peso internacional. Para isso, foram realizadas reuniões com alguns dos maiores arquitetos do mundo, como Renzo Piano, responsável pelo Centro Pompidou em Paris; Santiago Calatrava, autor do Museu do Amanhã no Rio de Janeiro; e Frank Gehry, criador do Guggenheim de Bilbao.

“Optamos pelo Solano Benítez porque ele é um arquiteto premiado. Ele já teve obras na Fundação Cartier em Paris, então também entendia um pouco a realidade francesa, mas acima de tudo, ele tem a nossa cultura. O resultado do projeto dele não é um corpo estranho que chega de disco voador no nosso território, ele brota daqui. E o fato dele trabalhar com tijolos que são feitos da nossa terra, é muito o DNA do museu. O museu tem uma parceria com o Pompidou da França, mas ele é o Pompidou Paraná. Ele é um museu feito sob medida para nós. Então, isso tinha que ser refletido no projeto arquitetônico”, ressalta.

O projeto apresentado mostra um prédio retangular de linhas marcantes, revestido por painéis de madeira, em harmonia com a paisagem natural ao redor. Uma das inspirações de Benítez é o escultor mineiro Amilcar de Castro, cuja obra, segundo ele, faz uma reflexão profunda sobre a relação entre matéria, espaço e natureza.

Foto: SEEC/Divulgação.

Para simbolizar essa ligação com o território, a cerimônia de lançamento contou com uma oficina em que crianças da rede pública moldaram tijolos de terra vermelha retirados do próprio terreno onde será construído o museu. Parte desses tijolos será incorporada à obra. A ação reforça a proposta de aproximar a arquitetura da comunidade e do ambiente imediato.

Estudantes da rede municipal de ensino de Foz do Iguaçu participaram de oficinas lúdicas de confecção de tijolos a partir do barro retirado do terreno onde será construído o futuro Centre Pompidou Paraná. Foto: Jonathan Campos/AEN.
A secretária estadual da Cultura, Luciana Casagrande Pereira, durante o evento de lançamento do Pompidou Paraná, no início de setembro deste ano. Foto: Jonathan Campos/AEN.

“Não estamos importando o titânio da Rússia, não estamos trazendo vidros da Alemanha, estamos construindo com o nosso DNA, com a nossa cultura que é o tijolo, um material milenar, mas ele é proposto e projetado pelo Solano de uma forma muito inovadora, tanto que o engenheiro para conseguir colocar esse projeto em pé é o Rui Furtado, o engenheiro que fez a base do Brasil na Antártida. Ele é acostumado a trabalhar sobre gelo, sobre a nossa terra fértil vai ser fácil”, ressaltou.

O futuro Centro Pompidou Paraná terá cerca de 13.500 metros quadrados de área construída, distribuídos em três grandes galerias. Pelo menos uma delas será permanentemente dedicada ao acervo do Pompidou de Paris. As demais terão programação em diálogo com a arte brasileira e latino-americana, incluindo exposições temporárias, residências artísticas e atividades educativas.

“Quando você parte da construção de um museu do zero, são muitas frentes que você tem que pensar: a relação com sociedade, com o público, como vai ser todo o nosso programa educativo, toda parte de programa arquitetônico e a construção do acervo. O museu certamente terá um acervo, mas a política de aquisição é algo que nós decidimos pensar num segundo momento. Nesse primeiro momento, para a inauguração e para os os primeiros anos do museu, nós trabalharemos com obras do acervo do Pompidou, que tem o maior acervo de arte moderna e contemporânea da Europa”, explicou.

Por que Foz do Iguaçu?

Parque Nacional do Iguaçu. Foto: José Fernando Ogura/Arquivo AEN.

A escolha de Foz do Iguaçu está diretamente ligada à singularidade da cidade. Situada na tríplice fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina, Foz recebe milhões de visitantes por ano e é reconhecida pela convivência harmoniosa de diferentes culturas e nacionalidades. Além disso, a secretária explica que havia uma necessidade de descentralizar a cultura no Paraná, que estava muito focada na capital.

“Quando eu entrei em 2019, o governador me pediu para olhar para o Estado como um todo e não ficar com o olhar concentrado na capital, como era tradição na Secretaria de Cultura e eu entendo isso, porque se os equipamentos estão aqui, a gente acaba olhando para onde tem mais demanda não da população, mas demanda de trabalho”, explica.

“Eu vim da região Oeste, nasci em Cascavel e percebi sempre essa necessidade de ampliar o olho. Aí com essa informação, de olhar para o estado como um todo, eu falei: ‘Esse museu tem que estar fora de Curitiba’. Então comecei a pensar onde poderia estar”, complementou.

Casagrande explicou que a escolha de Foz do Iguaçu para receber o museu se deu por reunir fatores estratégicos: a cidade já possui infraestrutura hoteleira e turística consolidada, é um dos destinos mais visitados do país, e ao mesmo tempo carecia de um equipamento cultural desse porte.

Inspirada no caso de Bilbao, na Espanha, que se transformou em polo turístico após a instalação do Guggenheim, ela destacou ainda que Foz cumpre a função de descentralizar a oferta cultural no estado, levando um projeto de grande impacto para a região Oeste, distante da capital.

“Fomos pensando onde já tinha uma estrutura para poder receber o número de turistas que esse museu atrai. Estudei muito o caso de Bilbao, é uma cidade na Espanha que tinha zero de turismo. E quando instalaram um Guggenheim lá, hoje Bilbao recebe mais de 1 milhão de turistas ao ano”, disse.

“Precisávamos de um local que tivesse infraestrutura. E aí Foz do Iguaçu veio como a cidade mais apropriada porque tem uma estrutura turística muito consolidada. A região Oeste é uma região muito rica do Paraná, uma região muito potente e Foz do Iguaçu não tinha um equipamento cultural deste porte. E geograficamente ela tá muito longe da capital então, cumpria essa função de descentralização”, explicou.

O novo museu vai se somar aos atrativos já consagrados, ampliando a diversidade da oferta turística e criando um eixo de integração entre natureza, ciência, tecnologia e arte. A expectativa é de que o espaço fortaleça a imagem de Foz como destino cultural e educativo, atraindo visitantes em busca de experiências únicas.

“Um museu desse é capaz de transformar a região onde ele está instalado”, disse Luciana.

A instalação do Pompidou deve gerar empregos diretos e indiretos, movimentar setores como hotelaria, gastronomia e serviços, além de consolidar parcerias institucionais com universidades, escolas e centros de pesquisa.

Impacto cultural e social

O Centro Pompidou em Foz do Iguaçu não será apenas um espaço de exposições. A proposta prevê um amplo programa de atividades, incluindo residências artísticas, intercâmbios internacionais, oficinas, cursos, mostras itinerantes e ações educativas voltadas para escolas e universidades. Dessa forma, o museu deverá atuar como polo de formação cultural e de incentivo à economia criativa, promovendo o acesso à arte contemporânea para diferentes públicos.

Além de aproximar a população local da produção artística mundial, a unidade abrirá espaço para que artistas brasileiros e latino-americanos possam dialogar diretamente com o circuito internacional, conquistando maior visibilidade e oportunidades. O projeto tem potencial de transformar Foz do Iguaçu em referência não apenas turística, mas também em inovação cultural e educacional.

A secretária destacou que o novo museu em Foz do Iguaçu nasce com foco na acessibilidade e na aproximação com a comunidade local. Ela acrescentou que se trata de um projeto transformador, capaz de fortalecer a economia criativa, a cena cultural local e a projeção internacional dos artistas paranaenses.

“Em breve nós teremos artistas nossos aqui fazendo apresentações no Pompidou de Paris. Essa experiência vai impactar muito em termos de conhecimento, de convivência com o principal acervo da Europa aqui no nosso território, e isso impacta não digo na qualidade, porque nós temos artistas de muita qualidade, mas impacta no resultado do trabalho deles. É um trabalho que fica mais preparado para rodar o mundo, com mais oportunidade de internacionalização. É um ganho muito grande para a nossa classe artística. E quando você trabalha internacionalmente o teu nome, você ganha visibilidade, você ganha valor de mercado, você exporta a nossa cultura para o mundo”, enfatizou.

Segundo ela, o objetivo é que o espaço seja, antes de tudo, um museu para a população, vivo e com alma, a partir da sua ocupação cotidiana. Para isso, já estão em andamento ações como o programa Museu Escuta, que promove escutas e reflexões com os moradores, e um edital voltado a comunidades da cidade, com agentes culturais atuando em escolas e associações de bairro. Esses grupos passarão por três meses de formação em práticas contemporâneas, funcionando como sementes do museu, simbolizadas pela entrega de tijolos que remetem ao projeto arquitetônico do espaço.

“Vamos abrir o museu no final de 2027 e até lá, esperamos ter um trabalho muito ativo com a população para que exista essa questão de pertencimento, para que haja o conceito do museu previamente estabelecido, definido entre nós e o Pompidou. Que ele possa ser um ponto de partida, mas que a definição final disso seja feita junto com a sociedade, que é quem vai dar a alma para o museu”, destacou.

Um marco para a América Latina

Com inauguração prevista para os próximos anos, o Pompidou de Foz do Iguaçu já nasce com vocação histórica. Será a primeira experiência da instituição francesa no continente latino-americano, reforçando o papel do Brasil como hub cultural. O Paraná, por sua vez, conquista um legado inédito: integrar-se à rede de uma das mais prestigiadas instituições artísticas do mundo e posicionar-se no mapa da cultura global.

A previsão é de que o espaço seja inaugurado em 2027. Até lá, o governo estadual promete garantir os recursos necessários para a execução da obra, um investimento estimado em R$ 200 milhões. O governador Ratinho Junior (PSD), em final de mandato, já sinalizou que a construção será licitada e os valores empenhados antes da troca de gestão, em 2026.

Para reduzir riscos de descontinuidade, a Secretaria da Cultura articulou um modelo de gestão privada. A exemplo do que ocorre no Theatro Municipal de São Paulo, o museu será administrado por uma organização da sociedade civil, por meio de contrato de gestão com prazo de quatro a cinco anos, não atrelado a mandatos políticos. A medida visa garantir estabilidade ao projeto, mesmo diante de mudanças de governo.

Ainda assim, há precedentes que despertam cautela. Em São Paulo, um ambicioso projeto cultural da gestão José Serra foi abandonado pelo sucessor Geraldo Alckmin, após altos investimentos. Para evitar cenário semelhante, o governo paranaense decretou em 2024 a criação oficial do Museu Internacional de Arte, nome jurídico do Pompidou Paraná, incorporando-o ao sistema estadual de museus.

“É um projeto que está muito estruturado para que não morra depois de tanta dedicação. O governador assinou um decreto de criação do museu, então ele já existe no papel. Até o ano que vem teremos uma gestão privada do museu, assim como hoje é o Museu Oscar Niemeyer, que é uma organização social que faz a gestão. Nós contratamos a FGV para nos ajudar na elaboração deste edital, para que pudéssemos estudar o melhor modelo que se encaixa na nossa legislação, para que não corra risco de mudar a gestão e a pessoa fale: ‘Não quero mais museu’”, comentou.

“Claro que o Estado vai aportar recurso, vai ajudar financeiramente para que isso aconteça, será um fiscalizador, vai desenvolver um plano de negócios, mas a gestão ficará com a sociedade civil. Então isso dá uma autonomia para o museu, tira o risco do projeto não acontecer. Isso garante que o museu de fato não fique vulnerável a um outro olhar da próxima gestão que a gente não sabe quem vai ser”, complementou.

Mais do que um novo cartão-postal ao lado das Cataratas e da Usina de Itaipu, o Pompidou em Foz do Iguaçu pretende ser um espaço de integração cultural. Com a chegada do museu, a expectativa é ampliar a oferta cultural, fortalecer a economia criativa regional e posicionar o Paraná como referência internacional em arte contemporânea. O Centro Pompidou brasileiro nasce com um desafio histórico: conciliar tradição e modernidade, global e local, e inscrever Foz do Iguaçu no mapa cultural do mundo.

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Maria Coelho

Jornalista com experiência em veículos como a Agência Estadual de Notícias do Paraná. Integra atualmente a equipe do Brasil Fora da Caverna.

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