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Guia orienta jornalistas a combater bifobia e dar visibilidade à população bissexual

Capa do Guia de Boas Práticas para Coberturas Jornalísticas sobre Bissexualidade, de autoria da jornalista e pesquisadora Jess Carvalho. Foto: Divulgação.

Neste Dia da Visibilidade Bi, o BFC faz a divulgação de um manual que busca transformar a forma como a mídia retrata a bissexualidade no Brasil. O Guia de Boas Práticas para Coberturas Jornalísticas sobre Bissexualidade, de autoria da jornalista e pesquisadora Jess Carvalho, reúne recomendações para que comunicadores tratem o tema de forma ética, responsável e livre de preconceitos.

Durante a pesquisa da sua dissertação de mestrado na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), a jornalista realizou um mapeamento sistemático de conteúdos publicados em portais de notícia, a partir de buscas no Google com os termos “bissexuais” e “bissexualidade”. Entre 2022 e 2023, ela analisou 61 reportagens, classificando-as em quatro categorias principais: explicativas, baseadas em pesquisas, centradas em celebridades e ligadas ao entretenimento.

A pesquisadora Jess Carvalho, autora do Guia de Boas Práticas para Coberturas Jornalísticas sobre Bissexualidade. Foto: Annie Libert.

O levantamento mostrou que a cobertura tende a se concentrar em datas específicas, como o Dia da Visibilidade Bi, e frequentemente se limita a explicações superficiais ou à exposição de figuras famosas, deixando de lado pautas estruturais, como saúde, educação e políticas públicas.

“A cobertura é muito escassa e quando ela é existente, ela parte de um ponto de vista que é um tanto exotificante. É muito comum ver reportagens sobre bissexualidade que se propõem a decodificar essa vivência, como se a gente tivesse que estar o tempo todo explicando por que a gente existe, quem a gente é. De 20 em 20 anos aparece lá uma reportagem num grande veículo falando que bissexualidade é uma tendência para o futuro, como se fosse um modismo. E, na verdade, a bissexualidade é uma identidade sexual legítima que existe há dezenas de anos, inclusive com essa terminologia”, explica.

“A gente tem uma infinidade de assuntos a serem explorados sobre esse tema. Podemos falar de educação, saúde, segurança pública, podemos falar de bissexualidade em todas as editorias. Mas geralmente os textos são muito rasos, pautados pelo agendamento, as datas, celebridades saindo do armário… Textos revestidos de preconceitos exotificantes”, complementa.

Jess também consultou a base de teses e dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), onde encontrou 318 trabalhos que mencionam a bissexualidade. A maioria está concentrada nas áreas de saúde e ciências humanas, mas pouquíssimos são da comunicação – e nenhum voltado especificamente para o jornalismo. Esse dado reforça a lacuna que o guia busca preencher, oferecendo orientações para práticas jornalísticas mais responsáveis e livres de preconceitos.

“Durante o percurso do mestrado eu fui percebendo que a gente tinha uma lacuna muito grande de produção científica sobre bissexualidade no jornalismo. Então esse seria um trabalho pioneiro, como de fato se tornou. E uma coisa que eu ouvi muito ao longo do mestrado, principalmente de professores homens e conservadores, era que as pesquisas em gênero muito problematizavam e pouco propunham. Eu acho que isso é um equívoco, porque o exercício de pensamento crítico já é propositivo”, disse.

Sobre o guia

A publicação foi construída a partir de entrevistas com ativistas e pesquisadores do movimento bissexual brasileiro. O objetivo é claro: combater a invisibilidade e as distorções históricas que cercam a representação bi.

“Achei que seria interessante elaborar um material que pudesse auxiliar jornalistas. E como eu conheço a rotina corrida dos colegas, achei que seria legal a gente ter um material de fácil consulta. Pensei, primeiro, nos jornalistas de redação, mas acabei descobrindo a potencialidade do Guia Bi como material didático também”, ressaltou.

O material desmonta mitos comuns, como a ideia de que a bissexualidade seria apenas “uma fase” ou “moda passageira”. Também chama a atenção para a importância de nomear a bifobia, entendida como opressão específica contra pessoas que se relacionam com mais de um gênero. Segundo o guia, negar a existência dessa violência é, em si, uma prática bifóbica.

Entre as orientações, destacam-se: não presumir a orientação sexual das fontes, respeitar a autodeclaração, diversificar narrativas além da hipersexualização, dar visibilidade às conquistas do movimento, adotar linguagem acessível e usar imagens que não reforcem estereótipos binários.

O guia também sugere que jornalistas escutem especialistas e organizações bi, evitando análises superficiais.

“Quando a gente tá falando de uma identidade coletiva e a gente tem grupos organizados que já constroem discussões e chegam a alguns consensos sobre em comunidade, é legal a gente ouvir esses grupos organizados, porque eles já têm um acumulado de conhecimento. É mais nesse lugar de respeito e também de reconhecer o trabalho que é produzido no Brasil, tanto pelos pesquisadores, quanto pelo ativismo bissexual, que é vivo e pulsante. A gente tem hoje a Frente Bissexual Brasileira, tem os grupos organizados nos estados”, enfatiza.

Jess Carvalho ressalta que a proposta é usar o jornalismo como ferramenta de transformação social.

“A gente tem muita desinformação disseminada por aí. Quando a gente olha para os dados, percebe que essa é uma população muito vulnerabilizada e as pessoas mal sabem disso porque essa informação não é muito bem propagada”, disse.

“Temos conquistas das pessoas bissexuais que não são informadas. Hoje a gente tem uma resolução do Conselho Federal de Psicologia que vai dizer que os psicólogos não podem dar um tratamento bifóbico para as pessoas em clínica, por exemplo. E essa é uma conquista importante do movimento bissexual que foi pouco noticiada. Então, eu acho que o papel do jornalismo é de ser parceiro desse movimento, de se atualizar e de contar às pessoas informações relevantes, atualizadas e que de alguma forma contribuam para gente desconstruir o preconceito que as pessoas ainda têm sobre bissexualidade”.

Com checklist, glossário e exemplos práticos, o guia se apresenta como um recurso indispensável para profissionais que desejam contribuir para uma cobertura mais justa e plural. A jornalista vê o material como um “tijolinho” que ajuda a levantar a pauta da bissexualidade e a produção crítica ainda escassa.

“É um material que contribui para o debate. Ele não resolve o problema como um todo, mas ele começa a levantar essa pauta e isso é importante porque até então havia escassez de produção crítica, científica e de debate qualificado. Espero conseguir apoios para fazer esse material chegar em mais pessoas. E não só nas redações, mas também na base, porque eu acabei descobrindo nesse processo que pensar em educação é muito essencial”, conclui.

Acesse o guia no link.

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Maria Coelho

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