Espera-se para este ano o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do Tema 1389, de repercussão geral, considerado pela doutrina juslaboral como decisivo para o futuro do Direito do Trabalho. Muitos temem que, caso a Corte reconheça a licitude da contratação de qualquer trabalhador como pessoa jurídica, sem direitos laborais, decretar-se-á o fim não apenas do Direito do Trabalho, mas também da Justiça do Trabalho, ramo do Judiciário responsável por sua aplicação.
Não é preciso muito esforço para constatar que a pejotização equivale à legalização da fraude, que é inconstitucional, inconvencional e incompatível com os princípios que regem o Direito do Trabalho, e que trará nefastos impactos sociais e sobre a Previdência, o FGTS, o FAT, etc.
Tais aspectos, por óbvio, não escapam ao conhecimento da Suprema Corte. Os senhores ministros sabem muito bem que a pejotização constitui fraude, assim como a terceirização irrestrita, já chancelada pelo próprio STF. Estão cientes dos prejuízos que a prática acarretará aos trabalhadores e à ordem social. As decisões e discursos irônicos não derivam de ignorância, mas da adesão a um projeto político-jurídico, conduzido pela maioria dos membros da Corte.
Este texto não pretende examinar as razões desse projeto, mas afirmar que ele não logrará êxito absoluto. O Direito do Trabalho, como forma de regulação da relação entre capital e trabalho, é produto necessário do capitalismo e não pode ser simplesmente extinto enquanto esse modo de produção prevalecer. Por outro lado, sendo a luta de classes central no capitalismo, e a litigiosidade que dela decorre inevitável, impõe-se a existência de instâncias jurisdicionais para dirimir conflitos, sob pena de restauração da autotutela para a solução de conflitos e consequente convulsão social.
As decisões do STF, culminando com a suspensão nacional dos processos relacionados ao Tema 1389, consolidam uma hermenêutica alinhada à racionalidade neoliberal, orientada à desvalorização do trabalho assalariado e à redução da relevância institucional da Justiça do Trabalho.
A teoria marxiana propõe que a produção econômica e as relações sociais por eles constituídas é que determinam o aparecimento e a existência do Direito, sendo a estrutura produtiva a base que condiciona as instituições jurídicas e políticas. Em outras palavras, a legislação, tanto política quanto civil, apenas enuncia, verbaliza a vontade das relações econômicas. O mesmo ocorre com a divisão do trabalho, que nasce das condições materiais da produção e só depois é alcançada pelas normas jurídicas.
Em O Capital, Marx analisa a fixação da “jornada normal de trabalho”. Ela não resultou de decisões abstratas do Parlamento, mas de um longo processo de luta de classes, especialmente visível na legislação fabril inglesa. O capital, em sua lógica expansiva, buscou inicialmente prolongar indefinidamente o tempo de trabalho, sem considerar a saúde ou a vida do trabalhador. Os abusos gerados, contudo, levaram à necessidade de intervenção social e estatal, estabelecendo limites uniformes por meio de leis, independentemente da vontade individual de cada capitalista.
A concorrência entre empresários também exigiu normas que garantissem igualdade entre eles, na exploração do trabalho. Dessa forma, a legislação fabril tornou-se um produto inevitável da indústria moderna, para limitar, de um lado, a apropriação da mais-valia absoluta e, de outro, assegurar condições equilibradas de concorrência. Sua generalização a todos os setores foi impulsionada tanto pela tendência do capital de compensar restrições em outros âmbitos quanto pela pressão dos próprios capitalistas por regras uniformes.
Esse processo foi decisivo para acelerar a concentração do capital e consolidar o sistema fabril, substituindo formas antigas de produção e afirmando o domínio direto do capital sobre o trabalho.
Não se argumente que essas considerações não se aplicam ao atual estágio do capitalismo, marcado por inovações tecnológicas e pela chamada gig economy. Pesquisadores como Henrique Amorim e Guilherme Guilherme sustentam que o capitalismo continua essencialmente industrial, ainda que travestido de digital. As plataformas reproduzem a lógica fabril, fragmentando tarefas e subordinando trabalhadores ao controle algorítmico.
Portanto, longe de anunciar uma sociedade pós-industrial, o capitalismo de plataforma reafirma a exploração, reforçando desigualdades e precarização. A teoria marxiana permanece atual: normas de regulação entre capital e trabalho continuam indispensáveis, e o Direito do Trabalho é a forma pela qual o Estado organiza o conflito de classes.
A rigor, o Direito do Trabalho, desenvolvido nos marcos da institucionalidade burguesa, cumpre dupla função: de um lado, legitima a exploração da força de trabalho ao garantir a apropriação da mais-valia; de outro, busca impor limites civilizatórios à exploração, atuando sobre a relação naturalmente desequilibrada entre capital e trabalho. Há, assim, tensão permanente entre sua função de legitimação e sua função de proteção, variando conforme a correlação de forças em cada momento histórico e em cada lugar.
Se, nos últimos anos, Brasil e Argentina experimentaram profundos retrocessos em termo de proteção social do trabalho, Espanha, Colômbia, México e Malásia, por exemplo, promoveram avanços legislativos substanciais. Se a Suprema Corte brasileira vem delineando uma jurisprudência destrutiva em matéria trabalhista, tribunais superiores de outros países avançaram no reconhecimento da relação empregatícia no trabalho plataformizado, como Alemanha, Portugal, Suíça, Espanha, França, Holanda, entre outros.
Isso porque o Estado, como pontua Poulantzas, não é simples instrumento da classe dominante, mas campo de luta no qual diferentes frações disputam hegemonia. Com o avanço do neoliberalismo, a hegemonia deslocou-se para frações ligadas ao capital financeiro e às grandes empresas de tecnologia, que promovem políticas de desregulamentação e precarização. Ainda assim, o Estado permanece espaço de contradição, campo no qual historicamente surgiu o Direito do Trabalho.
O atual estágio de desenvolvimento capitalista, contudo, dificulta a abertura desses espaços de contradição, em razão da desorganização da classe trabalhadora. O prolongado processo de deslegitimação do Direito do Trabalho, que faz com que as massas incorporem, como sua, a ideologia dominante. Mas a dominação ideológica não é absoluta e, como lembra Gramsci, trata-se de contingência, não de necessidade histórica.
Gramsci tomou emprestado de Romain Rolland a célebre expressão “pessimismo da razão, otimismo da vontade”. Racionalmente, o futuro do Direito do Trabalho no Brasil inspira pessimismo diante da ofensiva neoliberal e da jurisprudência do STF. Mas não há derrotas definitivas. A luta de classes é dinâmica e o otimismo na ação se sustenta na convicção de que a luta social reverterá esse quadro.