As maldosas suspeitas do envolvimento de Tarcísio com tentativa de golpe de estado, violência policial e escândalo Ultrafarma, resultam de triviais “coincidências”
Existe um jogo medieval chamado beisebol, e a grafia está correta. Sobre a atividade, o Comitê Olímpico Internacional está quadradamente errado. Não se trata de um esporte, mas sim da “segunda mais refinada celebração do tédio”, escreveu o recém faltante Luís Fernando Veríssimo.
Dentre os mais de 213 milhões de brasileiros, há quem use a forma baseball e há quem prefira, ao esporte de Pelé, a glorificação da brutalidade contida no passatempo da bola oval nas mãos, que em duplo erro é nominado de “futebol americano”.
Abaixo dos que redigem baseball e dos que preferem o acidentado carregamento da “bola” não esférica, no último degrau da escala do complexo de vira-lata rodrigueano ficam os que se cobrem com a bandeira dos estados unidos (minúsculas intencionais) no dia 7 de setembro.
Como explicar aos gabaritantes desses três níveis, que o interesse de Trump no tarifaço se reduz à palavra “lucro” e que bolsonaros, tarcísios, azêmulas e roedores não passam de inconfidentes a soldo?
O desafio é considerável, numa nação em que 44% admiram os “eua” (Genial/Quaest divulgada em 26/08/25) e em que o Hitler tupiniquim teria ainda 37,7% dos votos (CNT/MDA, 8/9/25).
Tentemos uma abordagem feérica.
1875
Era uma vez, um vice-reino de passado glorioso, porém decadente (o Egito) que, no entanto, era dono de valiosíssimo tesouro (o estratégico Canal de Suez). Veio, então, o mais malvado e mais poderoso reino daquela época (o Império Britânico) e tomou tesouro.
Nessa parábola, os bolsonaros, tarcísios, azêmulas e roedores são todos “egípcios” que conspiram contra o “Egito” e em prol dos “ingleses”. Voltaremos ao mais perigoso desses traiçoeiros.
Naquele mesmo ano de 1875, em que o Reino Unido se apropriou do Canal, nasceram o jornal “O Estado de São Paulo” e o psicólogo Carlos Gustavo Jung, um e outro unidos pela palavra “coincidência”.
É que o vetusto diário se recusa a enxergar coincidências e tem horror à ideia de as investigar. Já o suíço Jung, vindo de um povo de relojoeiros, o mais das vezes preferia tratar coincidências como “sincronicidades”.
Carbonários
A operação Carbono Oculto, na Faria Lima, não foi testemunhada por Jung, morto há mais de seis décadas. Contudo, foi a primeira vez que os vivos nesses sessenta anos viram uma ação das forças de segurança contra o crime organizado, onde sempre deveriam ter atuado prioritariamente: no combate aos tubarões.
Ao contrário da blitz em escritórios de gestores de fundos, corretoras e fintechs, o comum, desde quando Jung respirava, é a matança de pretos e pobres, especialidade na qual desponta o governador Fascista de Freitas, um protegido do Estadão e favorito da tal comunidade de serviçais do capital estrangeiro, surpreendida com as calças nas mãos pela PF. Ou “quase” surpreendida, vale especular.
Temos aí uma sincronicidade junguiana interessantíssima entre o capital norte-americano, o crime organizado, o extermínio de pobres e Tarcísio.
A melhor, todavia, está na razão de não acharem os meliantes com as calças nas mãos.
Culparlamentáveis
A operação se desdobrou em três frentes, uma das quais tendo por alvo 42 (QUARENTA E DOIS!) escritórios na Faria Lima, e mobilizou mais de 1,4 mil servidores do ministério público e de polícias, em dez estados da União.
Reconheçamos a dificuldade de guardar sigilo sobre a deflagração de uma mobilização desse porte, o que deve ser considerado ao se perceber uma outra sincronicidade junguiana.
É que exatamente na véspera das batidas em escritórios na Faria Lima, criminosos com mandato no Congresso Nacional apressaram-se para votar uma emenda constitucional que lhes garantiria imunidade em delitos.
A mafiosa iniciativa, gourmetizada como “Pec da Blindagem”, foi momentaneamente suspensa, em razão da prioridade dada pelos mesmos culparlamentáveis à anistia de seu facínora mor, Jair Bolsonaro.
PL
É bom lembrar que tramitam no STF sessenta e uma ações ou inquéritos contra parlamentares, dos quais, por mais uma dessas sincronicidades junguianas, 54 são contra representantes da Direita.
Quanto às filiações, também por casual sincronicidade 64% dos réus ou investigados é do PL, legenda que deveria sofrer o cancelamento de seus registro civil e estatuto, nos termos da Lei 9.096/95, a lei dos Partidos Políticos.
O artigo 28, inciso II, da lei que deveria valer para todos os partidos, prevê a extinção de agremiações que se subordinem a governos estrangeiros, e é o que faz o PL, por exemplo, ao expulsar sumariamente Antonio Carlos Rodrigues (SP), deputado que ousou mandar Trump “cuidar dos EUA”.
Nero de nosso tempo
Distintamente do Estadão, certos órgãos da mídia hegemônica norte-americana investigam “coincidências” em busca de “sincronicidades”. Ao menos enquanto a ditadura trumpista não é total.
David D. Kirkpatrick (3 prêmios Pulitzer) da reputada revista “The New Yorker”, analisou os lucros de Trump no primeiro mandato presidencial e concluiu que mais de 60% da fortuna do autocrata pedófilo resulta de negociatas feitas à frente da Casa Branca entre 2017 a 2020.
“Nero de nosso tempo”, como cognominou o historiar e deputado português Rui Tavares, do “Livre”, Trump teria por vias escusas acrescido seu patrimônio em estimados meio bilhão de dólares, apenas nestes meses de 2025. A presidência é para ele, antes de tudo, uma oportunidade de negócios.
Psitacídeos
A diferença entre a ilibada conduta rapineira do Imperador e a de seus papagaios periféricos reside apenas na escala: outro deputado português, João Tilly, do fascistóide “Chega”, foi flagrado a embolsar dinheiro de campanhas; o lapidado Milei acordou enredado nas propinas de 8% da Agência Nacional para Pessoas com Deficiência (Andis); dos Bolsonaros, falta espaço para listar seus ganhos, proporcionais aos arreganhos.
A folha corrida dessa turminha hidrófoba confirma o velho provérbio político italiano: “se é inteligente e honesto, não é fascista; se é fascista e inteligente, não é honesto; se é honesto e fascista, não é inteligente.”
A questão é: tal provérbio e as leis do Código Penal se aplicam a Tarcísio, que de olho no bandeirão dos “eua” atacou a democracia e as instituições no mesmo 7 de setembro? Ou, como quer o Estadão, ele é um criminoso acima de qualquer suspeita?
Tarcicrônico de Freitas
As sincronicidades perseguem Fascista de Freitas, onde quer que ele vá. Por triviais “coincidências”, Tarcísio participou das reuniões ministeriais de Bolsonaro, entre janeiro de 19 e março de 22, nas quais se atentou boquirrotamente contra o Estado Democrático de Direito.
Em especial, o governador carioca de SP esteve presente à pornográfica conferência de 22 de abril de 2020, geradora da nomeação de Alexandre Ramagem para a diretoria da PF com o fim obscenamente gritado de proteger os bolsofilhos investigados por ladroagem. Na mesma reunião, Weintraub, o “intelectual” que come Kafka no espeto e lê cafta, propôs a prisão de todos os ministros do STF, sem que o sorridente e envernizado Tarcísio tenha dito um “ai”.
Singularmente, o ora ocupante do Bandeirantes visitou o agora ditador do próprio domicilio-prisão por duas horas, no mesmo dia da reunião que debateu a minuta do golpe, 19 de novembro de 22. Não obstante o fervor da cogitação golpista, na leitura do Estadão os dois conversaram a respeito de futebol de botão e caça submarina.
Por fim, merece registro a sincronicidade perfeita, verificável no escândalo Ultrafarma. As mesmas empresas e personagens envolvidos na bilionária sonegação ao Estado de São Paulo são “coincidentemente” doadoras ou sujeitos ativos da campanha de Tarcísio.
Incólume
A incolumidade de Tarcísio a tantas sincronicidades se deve aos interesses que defende, os quais, em última análise, enxergam mandatos públicos como oportunidades de negócios tanto quanto Trump e seus psitacídeos.
Fascista de Freitas, “matador técnico” e última alegria dos privatistas, é não mais do que um autômato programado e continuamente reprogramado pelos intermediários do capital internacional sediados na Faria Lima, de inabalável mancomunhão com o mercado financeiro e com o PCC.
Mancomunhão tão inabalável que, enquanto a Faria Lima era vasculhada, o iBovespa abria em alta de 1,6% e fecharia o dia com ganho de 1,32%, o segundo maior valor da história.
Outra banal sincronicidade.