Tauan Matos nasceu na Bahia, mas mudou para São Paulo (SP) com a mãe em 1996, aos 3 anos de idade. Cresceu no Jardim Brasil, um bairro da Zona Norte da capital paulista. Separada do primeiro marido que ficou na Bahia, sua mãe o criou de modo solo até os seis anos trabalhando como faxineira. Seu padastro, que ele considera como o verdadeiro pai, trabalhou como porteiro até falecer.
Aos 14 anos, ainda cursando o ensino fundamental, Tauan conta que caiu no “melhor golpe” de sua vida. Duas pessoas apareceram na sala de aula perguntando quem gostaria de ganhar dinheiro trabalhando em casa e oferecendo um curso na área tecnológica com bolsa supostamente 100% gratuita. Cética, sua mãe logo desconfiou da oferta. Dito e feito. Quando Tauan foi conhecer de perto a instituição em questão, descobriu que ganharia dois dos quinze livros que compunham o curso. Ou seja, teria que pagar pelos outros treze.
“Sou fruto de diversos programas sociais”
Apesar da desconfiança, a mãe de Tauan topou o desafio e, mesmo com dinheiro curto, foi pagando os boletos para que ele se formasse, o que durou quase três anos. Na mesma época, Tauan conheceu Diogo Bezerra, outro jovem de comunidade periférica que assim como ele, vivia “à caça” de oportunidades de capacitação em tecnologia, que eram escassas e disputadas.
Era muito difícil. Quando tinha, eram dez vagas pra 400 pessoas. Ele (Diogo) ficava atento numa região, eu na outra. ‘Lá tá tendo curso, vamos embora’. Aí iam os dois de bicicleta
conta Tauan.
Sou fruto de diversos projetos sociais que existiram lá no Jardim Brasil. Como eu gosto de falar, na quebrada que eu vim, na quebrada que eu fui criado
explica ele.
Tauan sempre estudou em escolas públicas, e percebeu a falta de chances de formação em tecnologia para jovens e adolescentes de comunidades da periferia paulistana.
“Fiz teatro pra perder a vergonha e aprender a me comunicar”
Com o tempo, Tauan aprendeu a usar ferramentas como o Excel e o Autocad (programa de design industrial) e conseguiu os primeiros trabalhos na área. Mas percebendo que além do conhecimento técnico, precisava aprender também a se comunicar melhor, teve uma ideia inusitada.
Entendi que o teatro seria uma oportunidade para mim. De se comunicar, de entender respiração, de vender algo. E aí eu falei com o Diogo: ‘cara, vamos fazer teatro?’ Ele foi na minha. Fiz teatro não com o foco em ser ator, mas muito mais para perder a vergonha
afirma.
Após terminar o curso técnico em Desenvolvimento de Sistemas do Ensino Médio, Tauan enfrentou novas barreiras.
Ninguém queria dar uma oportunidade a um jovem periférico. Porque quando você fala de tecnologia é sempre algo de um contato passando para o outro. O famoso ‘network’. E eu não tinha ninguém. Eu ia na Avenida Paulista, na Faria Lima e levava currículo. Enfim, com 16 para 17 anos não consegui nenhum emprego na área
diz.
Para tirar uns trocados, o jovem começou a fazer vídeos de casamento. Em 2020, já trabalhando com capacitação empresarial e treinamento corporativo, Tauan percebeu que podia ir mais longe. Paralelamente, seu amigo Diogo fez trabalhos voluntários no exterior e quando voltou ao Brasil, fundou a “For Way”, onde a cada três alunos pagantes, um recebia acesso gratuito à capacitação.
Pandemia da COVID deu “start” a projeto
Com a pandemia da COVID, o negócio acabou naufragando, e Diogo passou a entregar marmitas para sobreviver. Fazendo esse trabalho, encontrou um jovem que disse ter o sonho de fazer cursos na área tecnológica. Foi quando Diogo procurou Tauan com a proposta de criar um projeto “dentro da quebrada” para ajudar jovens como esse.
Foi quando nasceu. Juntamos outros programadores e eles nos ajudaram a criar uma metodologia prática do que o mercado quer para um conhecimento técnico inicial. Foi quando desenvolvemos o primeiro protótipo do que seria o projeto Mais1Code – Reprogramando a Quebrada
relata Tauan.

A ONG nasceu inicialmente com doações, mas logo eles perceberam que esse modelo não se sustentaria. Foi então que tiveram a idéia de criar um negócio para poder fomentar a ONG.
Então, a Mais1Code nasceu e a ONG é o Reprogramando a Quebrada, levando a tecnologia de graça para o jovem. O negócio existe para que a gente busque, por exemplo, apoiadores, patrocinadores dessas turmas para que nós consigamos fazer essa roda girar
explica Tauan.
Logo no início, o projeto impactou 100 pessoas, com um modelo de ensino “one-on-one” (um a um) onde um programador atendia a um jovem periférico. A princípio, eles olhavam para a “bolha” Sudoeste – São Paulo, Rio e Minas. Mas ao começarem a receber pedidos de inscrições de Manaus (AM), Recife (PE), Fortaleza (CE), perceberam que podiam ampliar o trabalho para todo o Brasil. Com isso, no ano seguinte, 2021, 700 jovens foram atendidos. Como o modelo “um a um” era inviável de se manter diante da demanda crescente, a solução foi partir para a capacitação de turmas.
Hoje, nós temos uma plataforma de ensino que foi evoluindo. Então basicamente a Mais1Code não ensina só tecnologia. É uma ‘edtech’, onde ensinamos tecnologias voltadas para Inteligência Artificial (IA). Ensinamos jovens de 18 a 35 anos a entrarem no mercado da tecnologia sem nenhum conhecimento prévio. Eles têm a oportunidade de aprender não só a parte técnica, mas também o inglês com foco em tecnologia, ‘soft skills’ (habilidades comportamentais), gestão de tempo, trabalho em grupo, resolver problemas. Esse jovem também tem acesso à faculdade com desconto de 70% até o final do curso que ele quiser, de modo online
afirma.
Mais de 5 mil jovens diretamente impactados
Desde então, a escola 100% gratuita impactou diretamente mais de 5 mil jovens, sendo 70% mulheres e 66% que se consideram pretos ou pardos, e indiretamente mais de 10 mil moradores de comunidades periféricas espalhados por todos os estados brasileiros e até no exterior.
Esse jovem passa a ser uma referência na vida de outros
aponta Tauan.
Prêmios confirmam “Reprogramando” como um dos melhores empreendimentos sociais do País
Em 2021, a Mais1Code ganhou o Selo de Negócio de impacto social da Artemisia (organização sem fins lucrativos, pioneira na disseminação e no fomento de negócios de impacto social no Brasil) e foi convidada para palestrar no “1mi”, evento da UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância). Em 2022, o projeto foi apresentado no Web Summit Lisboa, o maior evento de tecnologia e inovação do mundo.
O projeto também coleciona selos de reconhecimento da área de desenvolvimento tecnológico e empreendedorismo da prefeitura de São Paulo e da Latam Innovation. O “Reprogramando a Quebrada” recebeu ainda o prêmio de “Empreendedores do Ano” do jornal Folha de São Paulo. Em 2022, foi reconhecido como uma das vinte melhores iniciativas de empreendedorismo do Brasil e da América Latina pela Expo Favela. Em 2024, ganharam o prêmio de “Top 5” de melhores negócios da América Latina e de São Paulo.
Mais do que apenas oferecer formação profissional, o “Reprogramando a Quebrada” procura despertar nos jovens da periferia, sonhos que nem eles mesmos imaginavam que tinham.
Em três meses, esse jovem já consegue construir algo que ele vê resultado. Você já consegue, por exemplo, criar um aplicativo para uma barbearia, uma mercearia
explica o fundador do projeto.
Projeto ajuda jovens a resolverem problemas de suas próprias comunidades

Um dos diferenciais do Reprogramando é que se trata de um projeto criado por jovens periféricos para atender as suas próprias comunidades. Além disso, a formação é focada na resolução de problemas dos bairros onde esses alunos vivem.
Nós temos jovens que ganharam prêmios nacionais e internacionais depois da formação. Que criaram soluções que foram parar na Folha de São Paulo. Temos um aluno que durante a pandemia criou um aplicativo que a própria comunidade utilizou para poder recolher doações enquanto todos estavam desempregados. Jovem que participou de competições internacionais e ganhou prêmios pela Netflix, pela Amazon, pela Apple TV
comemora Tauan.
Um dos frutos da iniciativa foi feito por um grupo dentro do Jardim Pantanal, que fica na zona leste de São Paulo, e que criou um sistema para jovens que sofrem de depressão. Nesse aplicativo a pessoa responde algumas perguntas que servem para avaliar o grau de depressão desses jovens, e com isso, direcioná-los para tratamento com psicólogos e outros profissionais da área.
Esse foi um app que eles criaram da cabeça deles. Entenderam que durante a pandemia na quebrada muitos jovens eram vítimas da depressão
diz ele.
Empresas ainda resistem a contratar jovens com pouca experiência
Mas nem tudo são flores na história da Mais1Code. As empresas de tecnologia ainda resistem a contratar jovens sem experiência. Com isso, o percentual de alunos que conseguem inserção no mercado de trabalho é de 20% a 30% dos formandos.
Temos feito várias outras formações com os jovens capacitando e criando mais experiência para que possam ser contratados
relata.
Mesmo com essas dificuldades, os 5 mil jovens atendidos pelo projetos hoje têm somados uma renda gerada mensal de mais de R$ 270 mil trabalhando formal ou informalmente.
BookmarkMuitos deles empreendem, criam um warehouse, sistemas e saem vendendo
completa Tauan.