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“Entre amigos” e memórias: conheça a história de Gerson Conrad, fundador do Secos & Molhados

Nos dias 20 e 21 de agosto, Gerson sobe ao palco do Guairinha, em Curitiba, para um relançamento de sua carreira com o show “Entre Amigos”. (Foto: Fonoteca/Divulgação)

Por trás da maquiagem marcante e da sonoridade que desafiou os padrões da música brasileira na década de 70, Gerson Conrad segue sendo um artista movido pela criatividade.

Graças a Deus, eu não perdi isso

ele diz, e declara que a “digital” que imprime em suas composições segue firme, reconhecível logo nos primeiros acordes.

Aos 73 anos, Gerson não apenas mantém viva a fagulha criativa que o impulsionou à fama em 1973, como também reflete sobre os caminhos trilhados pela música desde então.

Conrad é natural de São Paulo. Sua formação musical veio de casa. A mãe, os avós, a tia e até a irmã, todas tocavam piano, mas foi o avô, um cantor de ópera tenor que chegou a gravar disco na década de 1940, o seu maior influenciador. Aos sete anos de idade, Gerson ainda não podia sequer chegar perto do piano da família. Era um território restrito, quase sagrado. Mas foi justamente aos sete que lhe deram permissão para encostar no instrumento e, mais do que isso, começar a estudá-lo.

As primeiras lições vieram da tia, uma respeitada concertista que tivera certo prestígio nos círculos musicais paulistanos da década de 1940. Vivendo todos sob o mesmo teto em uma casa construída pelo avô, no bairro da Lapa, em São Paulo, Gerson tinha aulas sem precisar sair de casa.

Até que, aos 10 anos, um episódio marcante mudou tudo: Gerson faltou à aula para jogar futebol e quebrou o braço direito.

Lógico, botei a culpa no piano

lembra.

Decidido a abandonar o instrumento, declarou guerra àquele “negócio chato”. Mas a mãe foi categórica: sem educação musical, ele não ficaria. Abriu então um livro com os instrumentos de uma orquestra sinfônica e disse:

Escolhe o que você quer aprender

disse ela.

Era 1962, os Beatles despontavam no mundo e Gerson já vinha ouvindo música italiana desde o fim da década de 1950. Escolheu o violão. Achando que começaria com música popular, foi surpreendido. O pai encontrou um discípulo espanhol de Andrés Segovia, radicado no Brasil. Gerson passou a ter aulas no porão da casa deles, cercado por quadros de mestres espanhóis que, segundo ele, “pareciam encará-lo nos olhos o tempo todo”.

Estudou violão entre os 10 e os 17 anos.

Depois que parei de estudar, percebi que tinha ganhado uma série de possibilidades. Eu conhecia música, sabia ler partituras. Isso fez toda a diferença

afirmou.

A mão direita, no entanto, ficou “pesada demais para instrumentos elétricos”, devido ao rigor técnico do violão flamenco.

Me dá a melhor guitarra do mundo, ela sai com som de lata

ele brinca.

Esse ciclo se encerrou aos 17 anos, em meio a outra paixão: o tênis. Influenciado pelo pai, um desportista que chegou a competir nas Olimpíadas de Londres, Gerson quase se profissionalizou. Mas seu professor de violão o alertou: o esporte poderia comprometer seus tendões. O dilema entre um e outro o levou a escolher a arte.

Foi em São Paulo, após uma temporada em Porto Alegre, que Gerson conheceu João Ricardo. O papo foi direto: João queria montar um grupo autoral. Nascia ali o embrião dos Secos & Molhados. Gerson tinha apenas 19 anos. Estreou com sucesso e projeção nacional.

Achei que a vida era só flores 

lembra.

O estrondoso sucesso do disco de estreia dos Secos & Molhados não era exatamente previsto, mas também não foi obra do acaso.

A gente era ousado, sabia que ia fazer barulho. Mas vender seis vezes mais que Roberto Carlos em 90 dias? Ninguém esperava

declarou.

O reconhecimento nacional, em plena ditadura militar, transformou a vida do trio e também os colocou diante de riscos reais.

Vivíamos o auge do AI-5. Tínhamos muita sorte de não termos sido perseguidos ou exilados. A gente entrou de peito aberto

destacou.

Carreira solo, silêncio e retorno

O primeiro disco do grupo foi lançado em 1973. No auge da fama, em 1974, a banda se desfez. Gerson e Ney Matogrosso saíram no mesmo dia.

Achei que era coisa de 60, 90 dias até voltarmos a nos entender. Esse dia nunca chegou

lamenta.

Em 1975, gravou seu primeiro trabalho solo ao lado de Zezé Motta. Nunca parou de tocar, mas se manteve fora dos holofotes. Atuou como arquiteto por mais de três décadas.

Quando eu acordei, haviam se passado 37 anos. Continuei compondo, eu ia alimentando meu público, mas sem gravações profissionais. Fui gravar só em 2017

explicou.

Mesmo assim, mantinha uma agenda de apresentações com uma ou duas por mês.

Se daqueles milhões de ouvintes, 10% ficaram comigo, é um público que me sustenta até hoje. Toda apresentação em São Paulo tinha 300, 400 pessoas, mesmo sem divulgação

observou.

Durante a pandemia, reencontrou Gisele, com quem havia namorado nos anos 1970. Ela estava morando na capital paranaense. O reencontro, pelas redes sociais, virou reenlace.

Agora, em 14 de agosto, faz três anos que estou aqui em Curitiba

comemorou.

“Entre Amigos”

Nos dias 20 e 21 de agosto, Gerson sobe ao palco do Guairinha, em Curitiba, para um relançamento de sua carreira com o show “Entre Amigos”, espetáculo que celebra sua trajetória autoral, revisita sucessos históricos e apresenta novas composições.

A atual formação da banda que acompanha Gerson surgiu quase por acaso. Em maio, ao participar de um tributo aos Secos & Molhados no Wonka Bar, em Curitiba, conheceu Cauê Flexa. Descobriu que ele tinha um trio de rock.

Querem tocar comigo?

perguntou.

A brincadeira virou convite. E deu certo.

Cauê Flexa (baixo), Léo Carolo (bateria) e Bernardo Zampieri (guitarra), todos recém-formados, passaram a integrar o grupo. Depois, chegou o pianista Terciano Albuquerque.

Foi a peça que equilibrou tudo

diz Gerson.

Com essa base, nasceu o espetáculo Entre Amigos, cujo nome reflete o espírito da nova fase: cumplicidade e criatividade. O repertório mistura releituras e inéditas.

Segundo o Terciano e os meninos, não há hoje no Brasil um show com esse tipo de sonoridade e esse nível de cuidado com o repertório autoral. E eu concordo com eles

declarou.

Compositor exigente, Gerson se orgulha de suas harmonias complexas. Suas canções têm no mínimo sete ou oito acordes. E continuam nascendo. A mais recente delas, que batiza seu novo espetáculo, carrega versos que soam como uma síntese de sua trajetória:

Entre amigos me encontro novamente, transformando meus sonhos em realidade. Não importa qual o código da linguagem, diz o poeta. O que importa é a criatividade

disse.

Hoje, Gerson vive o que chama de “fase feliz”. Com liberdade para investir em sua arte e acompanhado por músicos jovens e talentosos, ele se realiza nos palcos.

Enquanto Deus me permitir, vou continuar me expressando pelo meu instrumento, pelo meu trabalho

celebrou.

Gerson Conrad caminha como quem conhece bem os desvios da própria estrada. Filho da música antes mesmo de compreendê-la, cresceu entre partituras. Além disso, a arte sempre falou mais alto. Com os Secos & Molhados, rompeu padrões e marcou gerações, mas o brilho do palco cedeu espaço, por décadas, ao silêncio criativo. Ainda assim, nunca deixou de compor. Discretamente, alimentava o fogo que agora volta a arder com força. Como um poeta que nunca deixou de escrever, Gerson transforma sua história em música, e sua música, em memória viva.

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