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‘Quem quiser ver eu mostro’: vereadora exibe vídeos de abuso infantil em palestra e é investigada no Paraná

Método de defesa da infância adotado pela Sargento Tânia Guerreiro, baseado em terror psicológico, desinformação jurídica e exposição de conteúdo sensível, é alvo de questionamentos e denúncias. (Foto: Rodrigo Fonseca/CMC)

Ali são quatro mulheres em cima de um menininho que deve ter uns três, quatro anos

descreve a sargento Tânia Guerreiro (Podemos), que desde 2021 ocupa uma cadeira na Câmara Municipal de Curitiba.

Ela está diante de uma plateia composta por alunos de uma faculdade privada da capital paranaense.

A reportagem do Brasil Fora da Caverna teve acesso ao áudio do evento realizado em abril de 2025 pela parlamentar.

Tudo o que eu vou mostrar aqui hoje são casos que eu peguei

ela avisa aos estudantes.

Aos 28 minutos, é possível ouvir os gritos e choros de uma criança, vindos do vídeo que, segundo a própria vereadora, registra um caso de estupro infantil ocorrido no Acre.

Veja se não dá raiva

ela diz antes de exibir as imagens.

Não era a primeira vez. Há mais de uma década, Tânia ministra palestras sobre pedofilia e abuso sexual infantil em instituições públicas e privadas do Paraná. Em outra palestra realizada na Câmara Municipal de Matinhos, em 2021, a vereadora exibiu fotografias de crianças nuas, com ferimentos na região genital que, segundo ela, eram resultantes de abuso sexual. Apenas os rostos foram embaçados. Até o fechamento desta reportagem, o conteúdo seguia disponível publicamente no YouTube

A defesa da infância é um dos motes centrais da sua atuação política — mas o método adotado por ela, baseado em terror psicológico, desinformação jurídica e exposição de conteúdo sensível, é alvo de questionamentos e denúncias.

Em maio de 2024, a ONG Elos Invisíveis enviou ofício à OAB-PR denunciando a exibição de vídeos e fotografias de abuso infantil em uma dessas palestras. O conteúdo teria sido apresentado a uma plateia de aproximadamente 130 pessoas em uma escola de negócios na cidade de Colombo. 

O relato foi encaminhado por uma testemunha, que também alegou que a vereadora teria conduzido uma dinâmica religiosa na qual dizia que “a criança abusada deveria procurar a igreja mais próxima”.

A OAB-PR afirma que oficiou o Ministério Público do Paraná reiteradas vezes. Segundo a advogada Ana Lúcia Oliveira, presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, os relatos recebidos mencionam condutas que, se comprovadas, configuram violação de direitos fundamentais previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente, incluindo risco à integridade psíquica de quem assiste à palestra.

A exibição de imagens com cenas de violência extrema, especialmente sexual, pode causar impactos psíquicos significativos em qualquer pessoa, ainda mais quando o público inclui sujeitos em desenvolvimento

avalia.

O Ministério Público instaurou notícia de fato e acionou a Polícia Civil para apurar o caso. Ambas as instituições confirmaram ao BFC que têm procedimentos abertos, e que correm sob sigilo. 

Paralelamente, o MPPR também notificou a Câmara Municipal de Curitiba, que abriu uma sindicância interna para apurar a conduta da vereadora. O procedimento, no entanto, foi arquivado semanas depois, sem responsabilização. 

Em nota enviada à reportagem, a vereadora afirma que o conteúdo das palestras é “educativo, preventivo e de conscientização”, direcionado a maiores de 18 anos.

Relatos de execuções e pornografia infantil: o que há no conteúdo da palestra

(Foto: Diretoria de Comunicação Social/CMC)

O Brasil Fora da Caverna analisou o áudio da palestra ministrada pela vereadora Tânia Guerreiro em abril de 2025, em uma instituição de ensino superior em Curitiba. Em 1 hora e 10 minutos de gravação, a parlamentar profere falas que são, no mínimo, preocupantes, e, no limite, ilegais. 

Abaixo, listamos os principais pontos sensíveis, acompanhados da análise da advogada Renata Farah, especialista em Direito Médico e à Saúde.

1. Exibição e posse de material sensível

Tânia afirma possuir vídeos de abuso sexual infantil obtidos em investigações policiais. Renata Farah explica que esse tipo de conduta pode configurar crime de exibição ou difusão de material pornográfico infantil.

Mesmo sob pretexto de prevenção, a exibição de imagens reais de abuso sexual é vedada pela legislação brasileira e pode representar revitimização simbólica das vítimas, além de risco psíquico ao público

afirmou Farah.

2. Descrições gráficas e revitimizantes

A parlamentar descreve com detalhes cenas de estupro infantil, envolvendo penetração com lubrificantes improvisados e sexo oral praticado com bebês. 

Segundo Farah, essas descrições podem causar “impactos psíquicos significativos”, especialmente se feitas sem mediação técnica ou apoio psicológico.

A literatura especializada em psicologia do trauma reconhece que a exposição a esse tipo de conteúdo, mesmo em adultos, pode provocar reações severas. No caso de estudantes, muitas vezes jovens, os danos podem ser ainda mais intensos

confirmou a advogada.

3. Incentivo à justiça com as próprias mãos

Tânia narra a execução de um pedófilo por uma facção criminosa, descrevendo o uso de pneus em chamas e a decapitação com machado. Afirma ainda que a única forma de parar um abusador é “prisão e depois morte”.

Farah vê risco de incitação à violência e apologia ao crime.

O discurso que naturaliza linchamentos e execuções compromete o Estado de Direito e pode configurar violação aos princípios constitucionais do devido processo legal e da dignidade humana

declarou Farah.

4. Termos capacitistas

A parlamentar usa expressões como “retardada” e “burra” durante sua fala.

O uso de termos depreciativos e capacitistas por uma agente pública não apenas contraria os princípios da administração pública, como também pode gerar responsabilização civil e ética

pontua a advogada.

É incompatível com o respeito à diversidade e aos direitos das pessoas com deficiência

disse.

5. Violência contra a intimidade das vítimas

Durante a palestra, Tânia cita nomes completos de abusadores, descreve características físicas de vítimas e menciona detalhes dos locais onde os crimes ocorreram.

Farah aponta que essas falas podem violar o sigilo de investigações e expor indevidamente pessoas envolvidas.

A divulgação de elementos que possam identificar vítimas, ainda que de forma indireta, configura violação de direitos à intimidade, imagem e dignidade. Isso fere o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Constituição e compromete a proteção das vítimas

pontuou.

6. Afirmação de que pedofilia não é crime

Tânia também afirma que “pedofilia não é crime no Brasil”. A fala, segundo a advogada, contribui para a desinformação sobre o tema.

Embora o termo ‘pedofilia’ tenha origem médica, os atos associados a ele — como estupro de vulnerável, aliciamento e posse de pornografia infantil — são crimes tipificados na legislação brasileira. Dizer o contrário enfraquece o combate real a esses crimes e pode confundir o público sobre os instrumentos legais disponíveis

explica a especialista.

7. Coleta de assinaturas em ambiente educacional

Ao final da palestra, Tânia Guerreiro convida os presentes a assinarem uma petição pela tipificação de “pedofilia” como crime, com pena de 30 anos de reclusão. Para a advogada Renata Farah, a prática é inadequada em ambientes educacionais, especialmente quando o conteúdo apresentado envolve cenas traumáticas e apelos emocionais.

A mobilização política pode ser legítima, mas deve respeitar o discernimento e a autonomia dos participantes. Quando feita logo após uma exposição de violência extrema, sem espaço para reflexão crítica, pode configurar coação simbólica ou exploração emocional do público

analisa.

“Aquilo não era informação, era tortura psicológica”

(Foto: Daiana Nodari/Prefeitura de Colombo)

O BFC conversou com uma aluna que esteve presente na palestra ministrada por Tânia em abril de 2025. A testemunha, que pediu para não ser identificada, conta que o incômodo começou na entrada do auditório, onde, segundo ela, havia exemplares à venda do livro “Deus, a menina e o pé de goiaba”, baseado na vida de Damares Alves. 

O que parecia ser um evento informativo sobre enfrentamento à violência sexual infantil acabou se tornando, nas palavras da jovem, “uma sessão de tortura psicológica”. Ela conta que a vereadora alegou estar armada durante o evento e exibiu vídeos de abuso sexual infantil sem qualquer aviso prévio.

Um dos vídeos mostrava um menino deitado, e várias mulheres se esfregando nele. Tava com áudio, dava pra ouvir o piá berrando. Uma amiga minha vomitou. Outra chorou 

confirmou a aluna.

Segundo o relato, a parlamentar também exibiu um segundo vídeo:

Um homem eja******* na boca de um bebê

descreve.

Até que ponto esse tipo de atitude tem algum tipo de resultado?

questiona.

A gente não precisa ver vídeo de criança sendo abusada para entender que pedofilia é errado

declarou.

A língua afiada nas redes sociais e a blindagem institucional

(Foto: Diretoria de Comunicação Social/CMC)

Não é apenas nas palestras que a vereadora Tânia Guerreiro mantém o tom agressivo e sensacionalista ao abordar casos de violência sexual contra crianças. Em suas redes sociais, ela compartilha vídeos descrevendo crimes com riqueza de detalhes.

Em uma das publicações, Tânia narra um caso de abuso que teria ocorrido no interior do Paraná.

A gen****** da menina foi rasgada 

descreve, referindo-se a uma criança de 6 anos.

Após a abertura da sindicância pela Câmara Municipal de Curitiba — que foi posteriormente arquivada —, a vereadora publicou um vídeo se posicionando sobre o caso no Instagram. Sem apresentar nomes ou provas, a parlamentar disse que suas denúncias incomodam “gente poderosa” e por isso é alvo de perseguição. 

Eles estão tentando me calar, me intimidar, distorcer o que eu falei, mas a verdade vai prevalecer

diz.

Na publicação, ela defende o conteúdo da palestra.

Você quer que eu fale de flores? Então chama o Roberto Carlos. Eu falo da realidade

afirma.

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da vereadora encaminhou uma nota afirmando que as palestras têm caráter educativo e preventivo, e que Tânia “jamais colocaria em risco a imagem, a dignidade ou qualquer aspecto que pudesse comprometer a vida de uma criança”. Disse ainda que a vereadora acompanha com serenidade o andamento das investigações. Confira a nota na íntegra, no final da matéria.

Até o fechamento desta reportagem, a parlamentar não respondeu aos seguintes questionamentos feitos pelo BFC:

  • A senhora teve autorização judicial para portar ou exibir imagens de abuso infantil?
  • Houve preparo psicossocial para o público presente?
  • Como a senhora responde às críticas de revitimização?
  • A senhora defende a pena de morte para abusadores?
  • A senhora entende que incitou a justiça com as próprias mãos?
  • Como responde às acusações de capacitismo e linguagem agressiva?
  • Os nomes citados em palestra estavam cobertos por sigilo judicial?
  • Mantém a declaração de que pedofilia não é crime no Brasil?
  • Considera apropriado coletar assinaturas para petições em eventos educacionais?
  • Reconhece que o tom sensacionalista pode ter ultrapassado os limites da liberdade de expressão?

A Câmara Municipal de Curitiba também não revelou detalhes sobre a investigação interna nem os motivos que levaram ao arquivamento da sindicância contra a vereadora. O que se sabe é que a Corregedoria e o Conselho de Ética da casa chegaram ao fim do semestre legislativo sem abrir qualquer procedimento para levar adiante investigações contra vereadores, mesmo diante de indícios consistentes de violação do decoro ou da ética parlamentar.

***

Nota na íntegra:

A vereadora Sargento Guerreiro vem a público prestar esclarecimentos sobre a abertura de sindicância na Câmara Municipal de Curitiba, relacionada a um procedimento instaurado pelo Ministério Público do Paraná.

A parlamentar ressalta que a proteção da criança e a defesa de sua inocência são compromissos inegociáveis que norteiam não apenas sua atuação na vida pública, mas toda sua trajetória profissional, construída ao longo de mais de 30 anos de serviço na Polícia Militar do Paraná.

A sindicância tem como origem uma denúncia referente a uma palestra de combate à pedofilia, na qual, como especialista na área, a vereadora compartilha relatos de casos reais vivenciados durante sua carreira no enfrentamento de crimes contra crianças e adolescentes. Trata-se de um trabalho de caráter exclusivamente educativo, preventivo e de conscientização, voltado à proteção da infância.

É fundamental esclarecer que o conteúdo dessas palestras é destinado exclusivamente ao público maior de 18 anos, com essa orientação sendo feita de forma clara, explícita e reiterada, tanto na divulgação quanto durante sua realização, justamente pela seriedade, sensibilidade e gravidade dos temas abordados.

A vereadora reforça que jamais colocaria em risco a imagem, a dignidade ou qualquer aspecto que pudesse comprometer a vida de uma criança. Seu compromisso é, e sempre será, lutar pela defesa da infância e pelo enfrentamento firme de qualquer forma de abuso, exploração ou violência.

Por fim, a vereadora reafirma seu respeito ao devido processo, acompanhará com responsabilidade e serenidade todos os trâmites necessários e permanece à disposição dos órgãos competentes para quaisquer esclarecimentos.

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